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  • Em 2008, o banco norte-americano Lehman Brothers declarou falência e chocou o mercado mundial. A queda do gigante das finanças se tornou símbolo dos efeitos da crise imobiliária nos EUA – e deixou uma lembrança amarga para todos os que vivenciaram o processo, como é o caso de Jack Malvey, que trabalhou por 17 anos na empresa. Dez anos depois, ele compartilhou com a RFI sua lembrança do evento.
    “Foi como estar no Titanic em câmera lenta. Recebemos vários sinais de alerta anos antes, que se intensificaram três meses antes da queda do Lehman, em setembro de 2008. Para ser preciso, quando o banco faliu, eu estava em casa, era um domingo à noite. Eu entendi na hora que era o fim do Lehman Brothers”, lembra.
    Jack conta que, ao chegar no escritório e encontrar os colegas, o clima era de confusão e descrença. “Era surrealista. Sobretudo porque Lehman Brothers estava indo bem. Os resultados do setor de obrigações estavam em alta havia três anos. Foi um choque. Lehman Brothers contava com sete mil funcionários. A maioria remunerada por comissão – e seus salários foram suspensos. Aqueles que eram proprietários de 30% a 40% da empresa sofreram uma perda considerável.”
    Para Malvey, deixar o banco morrer foi um erro da administração norte-americana. Mas não havia, na sua opinião, como prever o desastre. “Os acionistas e proprietários do Lehman Brothers mereceram ser punidos. Mas o governo poderia ter tentado pagar as dívidas. Isso teria facilitado as coisas para o mercado de ações. Pessoalmente, como estrategista, com 40 anos de experiência, 30 em 2008, posso garantir que não fui capaz de prever a catástrofe.”
    Traição das finanças
    Ainda que a crise de 2008 tenha chegado de forma abrupta, ela foi causada pelos próprios bancos, que não souberam considerar os riscos dos empréstimos que estavam sendo feitos – sem nenhuma condição ou avaliação prévia. Isso é o que afirma Georges Ugeux, ex-vice-presidente da Bolsa de Nova York.
    “Eu tinha dúvidas quanto a certos aspectos em matéria de finanças, mas não levei em consideração, não achei que fosse tão grave. Era uma situação onde, fundamentalmente, as finanças traíram a economia e a sociedade. Era indispensável colocar as coisas em ordem”.
    Ele é autor do livro “A traição das finanças”, onde aponta doze reformas para retomar a confiança na economia. “O que vivenciamos foi um período em que transformamos o sistema bancário, que fazia empréstimos, num sistema de distribuição desses empréstimos no mercado. Os bancos abandonaram sua disciplina de avaliação da qualidade dos créditos e se contentaram em dizer: enquanto estiver funcionando, tudo bem. Então eles abandonaram suas responsabilidades, porque isso permitia ganhar dinheiro rápido.”
    Crise afetou diretamente milhões de pessoas nos EUA
    A norueguesa Kathlen Stevenson, economista independente, sofreu os efeitos diretos da crise, mas conseguiu se adaptar e recomeçar sua vida profissional. “Na época, eu era diretora de pesquisas econômicas nacionais para o Crédito Suíço, em Nova York, e no momento em que a crise se desenvolveu, muitos bancos de investimentos reagiram rápido e de maneira agressiva. E isso queria dizer cortes e demissões em massa”, revela.
    “Fui afetada diretamente porque minha equipe inteira foi demitida. Procurar emprego não era fácil na época, mas tive a oportunidade de trabalhar para uma pequena empresa financeira e depois fui contratada pelo AIG, o American International Group que, em 2010, foi salvo pelo governo". Kathlen pôde fazer parte, nesse momento, da reconstrução da empresa e acompanhou o pagamento dos fundos que o governo norte-americano havia oferecido.
    No total, US$ 180 bilhões foram transferidos pelo Estado ao AIG. Em 2010, o governo de Barack Obama conseguiu a aprovação da lei Doddy-Franck, que obriga as empresas “Too big to fail”, grandes demais para falir, a ter um fundo próprio para resistir em caso de crise. Mas para Jack Malvey, o desemprego, logo após a falência do Lehman Brothers, teve um efeito positivo em sua vida: “Minha família logo perguntou se eu passaria mais tempo dentro de casa”, brincou, aos risos.

  • A moda começou nos Estados Unidos, passou pela Alemanha e chegou na França: é o chamado “frugalismo”, um modo de vida que prega menos trabalho, menos consumo e mais tempo livre a partir de uma certa idade. Economistas alertam para as possíveis consequências dessa prática para o sistema da Previdência Social, mas os que já aderiram ao movimento defendem os benefícios.
    É o caso da norte-americana Kristy Shen, que discorre em seu canal no Youtube a respeito do “FIRE”, sigla em inglês para Independência Financeira e Aposentadoria Precoce. “Liberdade! Liberdade para viver seus sonhos e fazer o que você gosta. Como eu sei? Porque eu fui capaz! Eu costumava trabalhar demais. Mas as coisas não avançavam. Foi somente quando parei de seguir os sonhos da geração passada e comecei a seguir os meus que me tornei financeiramente independente”, afirma a jovem, que está na casa dos 30.
    Kristy Shen diz que, agora, se dedica a atividades menos rentáveis economicamente, mas que são produtoras de capital humano e social. “Escrevo livros para crianças, crio aplicativos gratuitos que trazem diversidade para a literatura infantil e sou uma mentora para jovens garotas que querem aprender novas tecnologias. Também vivo de forma nômade e posso mudar de país todo mês. Cada novo dia é o melhor dia da minha vida”, relata.


    Mudança total
    A francesa Corinne Moutout, de 56 anos, conta que aderir ao movimento do “menos tempo de trabalho e mais qualidade de vida” foi essencial para melhorar sua saúde. “Há duas razões principais. A primeira era a precariedade de minha profissão, porque sempre fui freelancer, seja como jornalista, seja como diretora de documentários. Essa precariedade fazia com que eu trabalhasse muito: se eu estivesse esperando um projeto ou executando, sofria com um estresse intenso e eu não queria mais ter isso em minha vida”, declara.
    Ainda que muitos desejem ter um ritmo de vida mais calmo, aderir ao clube dos “frugalistas” não é para qualquer um. Na verdade, a prática permanece limitada a certos meios sociais, como explica o economista Erwann Tison, diretor de estudos no Instituto Sapiens. “É uma tendência que devemos acompanhar e que atrai diversos perfis, mas são pessoas que têm altos salários. Porque estamos falando de uma interrupção total da vida ativa a partir dos 40 anos.”
    As pessoas que são atraídas pelo “frugalismo” trabalham no mercado financeiro, em bancos, em profissões que eles julgam "sem muito sentido", de acordo com Tison. “É o que o antrópologo norte-americano David Graeber chama de ‘Bullshit Jobs’, empregos que, mesmo sendo bem remunerados, não representam um interesse intelectual”.
    Tison explica que a militância de certos “frugalistas” contra o consumo desenfreado é paradoxal: “foram eles que aproveitaram desses recursos durante os primeiros 25 anos de suas vidas. O 'frugalismo' só é possível porque essas pessoas têm um alto salário e podem fazê-lo do ponto de vista econômico.”
    Corinne faz parte dos que puderam, ao longo da vida, economizar e se preparar para a decisão de largar o emprego. A partir do momento em que a decisão foi tomada, ela passou a recusar trabalhos, mas isso significava ter menos dinheiro. “Então eu disse a mim mesma: porque não fazer algo que me traga algum recurso econômico e um bem para minha existência? E consegui por causa de minhas economias. Estou terminando meu terceiro ano de estudos de naturopatia e poderei fazer consultas. Mas evidentemente vou tentar administrar o tempo, está absolutamente fora de questão voltar a uma profissão em horário integral, com todo o estresse”.


    Aposentadoria precoce: um privilégio?
    Ao se tornar sua própria chefe em seu negócio de naturopatia, Corinne deve poder organizar melhor seu tempo “para ter mais qualidade de vida”. “Todos meus amigos perceberam a diferença, estou menos estressada, mais feliz, tenho menos problemas de saúde, durmo melhor, o benefício é incalculável”, declara. No meio de todos os elogios ao "frugalismo", fica uma dúvida: se todos pararem de contribuir aos 40 anos, quem vai pagar a Previdência?
    “O maior problema do 'frugalismo' é que, a partir dos 40, paramos completamente de contribuir para a aposentadoria. Na França, o sistema da Previdência faz com que a população ativa pague o salário dos aposentados. O problema é que as pessoas que são 'frugalistas' são completamente desconectadas desse sistema. Tendo em conta que são altos salários, isso tem uma influência na Previdência”, diz Erwann Tisson.


    Mas, para o economista, isso deve obrigar a sociedade a refletir em um novo sistema de aposentadoria. “Na França, o movimento do ‘frugalismo’ deve nos fazer refletir, por exemplo, num modelo de capitalização, ou seja, cada um contribui uma parte para si mesmo no futuro para permitir a cada um a escolha de seu percurso de vida e de sua carreira.”
    Limitado a círculos da classe média ou alta, o "frugalismo" não deve ter um impacto grande a curto prazo. Mas ele propõe uma reflexão sobre qualidade de vida, administração do tempo de trabalho e consumo moderado.

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  • A economia brasileira tem sofrido em meio a um cenário eleitoral volátil e pouco definido. A saída da crise econômica ainda parece patinar com o baixo crescimento e incertezas quanto aos rumos da política econômica do próximo governo. Os investidores estrangeiros tendem a ver esta situação com desconfiança, o que complica a retomada da economia.
    Para Octavio de Barros, vice-presidente da Câmara de Comércio França-Brasil e diretor da think tank República do Amanhã, a questão fiscal é hoje a que mais gera insegurança para os investidores e se coloca como um ponto central que não poderá ser evitado pelo próximo presidente. "Eu queria chamar atenção de que é verdade que os investimentos estão retraídos no Brasil porque há falta de definição sobre o marco regulatório, sobre a própria questão fiscal que é muito dramática no Brasil. O próximo presidente, seja ele qual for, vai ser obrigado a fazer um fortíssimo ajuste fiscal, reforma da Previdência. Caso não faça isso, ele não termina o seu mandato", avalia.
    Guilherme Gamba, que trabalha com trade de commodities em Paris, concorda que a questão fiscal está no centro das preocupações do mercado e avalia que há um movimento duplo que atinge o Brasil nesse momento: uma crise externa e incertezas internas. Ele considera que as situações econômicas complicadas da Argentina e da Turquia afetam o país e isso se torna ainda mais complexo de gerenciar quando não está claro o que o próximo ou a próxima presidente adotará como política econômica.
    "O fato da insegurança eleitoral e, sobretudo, o que as lideranças vão gerar no cenário fiscal a partir de 2019, 2020. Acho que essa é a grande questão na cabeça do investidor hoje. O mercado está muito de olho em como os extremos estão se comportando. Eu acredito que o mercado não comprou, pelo menos a maior parte dele, a tese do Bolsonaro como liberal. Ainda tem muita dúvida em relação a isso, apesar do apoio do Paulo Guedes. Eu acho que o mercado também tem medo do PT ainda vendo um cenário de dominação dos economistas da era Dilma", ressalta.
    Para Gamba, neste cenário é Geraldo Alckmin que se torna o candidato mais palatável para o mercado, que atrai os investidores com uma proposta de política fiscal contracionista, que geraria superávit no orçamento. Ele afirma que "o candidato do mercado hoje, se é que a gente pode falar disso, o candidato que geraria o cenário mais benigno em política fiscal do ponto de vista do investidor é obviamente o Alckmin. Eu acho que o mercado hoje está com o foco muito preciso em saber quanto Alckmin vai ganhar nas próximas pesquisas, nas próximas semanas, agora que a campanha começou de verdade. Agora que ele colocou o maquinário pra funcionar, vamos ver quanto ele consegue gerar de retorno em cima disso".
    Mercado não confia em Bolsonaro
    Assim como Gamba, Barros também avalia que a tentativa de apresentar o candidato Jair Bolsonaro como liberal não convence. Ele destaca que, apesar de os investidores normalmente não se manifestarem politicamente, o desconforto com esse candidato é perceptível. "Muito pelo contrário, ele é muito intervencionista e os investidores vêem com extremo desconforto. Mas há, ao mesmo tempo, uma leitura de que seria um candidato com muitíssimas dificuldades de ganhar as eleições em um eventual segundo turno", explica.
    Apesar de o cenário eleitoral sempre gerar algum nível de insegurança, é preciso pensar de forma mais global na economia brasileira, avaliam os especialistas. Neste sentido, Barros destaca que apesar das incertezas, as perspectivas a médio e longo prazo pode ser consideradas melhores. Para ele, os investidores tendem a ter uma visão mais estrutural e menos sensível ao imediatismo.
    "A visão do empresariado de uma forma geral é bastante construtiva a respeito do Brasil no médio e longo prazo. O Brasil, afinal de contas, é uma grande economia, um país bastante relevante no cenário global. Há obviamente um desconforto com esse momento de incerteza eleitoral e também com algum contágio da economia global sobre países emergentes como o Brasil", avalia ele.
    Em pouco mais de um mês, com a divulgação dos resultados eleitorais, será possível avaliar de forma mais concreta que rumos a economia do país deve tomar.

  • Um estudo do Instituto Sapiens revelou que cinco profissões correm risco de extinção. Para alguns, esses dados são angustiantes. Para outros, fonte de inspiração. A revolução digital está transformando o mundo do trabalho e as mudanças parecem estar só começando.

    Mais de dois milhões de pessoas “têm uma forte probabilidade de ver seus empregos desaparecem nos próximos anos”, diz o estudo. Profissionais da área de contabilidade, caixas de lojas e supermercados, funcionários de bancos e seguradoras, secretárias e agentes de manutenção verão de perto as transformações ligadas à robotização e à inteligência artificial.
    Bancos não terão mais funcionários em 2050
    O Instituto Sapiens, que baseou seus dados na DARES – serviço de estudos estatísticos do ministério do Trabalho da França – concluiu, por exemplo, que empregos em bancos, cujo o número caiu 40% entre 1986 e 2016, poderiam desaparecer totalmente em 2050. Seis anos antes do que o previsto para os contadores, que devem ser extintos em 2056.  
    Apesar dos dados alarmantes, Erwann Tison, economista e diretor do instituto, afirma que a intenção não é assustar a sociedade, mas fazer com que as atitudes para enfrentar essas novas situações sejam tomadas. “As consequências da revolução digital são reais e precisam ser levadas a sério desde já. Se não fizermos isso, não conseguiremos antecipar as mudanças que já estão acontecendo. Isso pode ser um desastre para uma grande parte da população", afirma o economista. "Quisemos mostrar que cinco profissões estão à beira da extinção, causada pela chegada de alternativas tecnológicas. É preciso encontrar, de forma coletiva, soluções para poder acompanhar essas pessoas na reconversão profissional”, aconselha Tison.
    Os pesquisadores levantaram, em um primeiro momento, os dados dos empregos que podem ser mais facilmente automatizados. Na sequência, compararam com a lista de profissões que mais perderam vagas de emprego. A partir daí, as projeções foram calculadas seguindo duas hipóteses: a linear, mais otimista, e a exponencial, bastante pessimista, já que considera uma tendência acelerada do fechamento de vagas. 
    Anos difíceis pela frente
    Para Gil Giardelli, professor e criador do MBA de Gestão da Mudança e a Transformação Digital para o Conselho Nacional da Indústria Brasileira, os estudos são demasiadamente alarmistas. “Hoje existe um alarde muito grande das pesquisas em dizer que ‘os empregos vão acabar’, mas na verdade teremos uma sociedade com menos tempo de trabalho por dia, com muitas empresas que já estão adotando semanas com quatro dias de trabalho, jornada de menos horas”, afirmou o professor.
    Mas Giardelli reconhece que os próximos anos serão os mais difíceis, principalmente pelo setor acadêmico não conseguir acompanhar o processo de mudança. “A gente não está tendo tempo de preparar as pessoas para essa transformação. O mundo acadêmico não consegue preparar as pessoas e por isso acreditamos que esses próximos 30 anos serão tempos bem preocupantes sobre como estaremos vivendo essa nova era”, afirmou.
    Cursos ignoram mudanças tecnológicas 
    Erwann Tison também descreve um cenário parecido na França. O economista critica um dos cursos mais tradicionais por não adotar as principais mudanças tecnológicas em sua grade curricular. “Se você for hoje em uma universidade de medicina na França, em hora alguma você verá matérias falando da robótica. Nada se diz de como a profissão está sendo transformada pela tecnologia”, afirmou Tison. “Não falar disso é quase um crime, pois hoje há, por exemplo, o Google que criou uma inteligência artificial, que permite fazer diagnósticos de câncer 30 vezes mais assertivos que os humanos. Ou seja, a máquina, em certos aspectos, é muito mais competente que o homem em alguns setores da medicina”, completou.
    Tison lembra, no entanto, que a revolução digital cria uma onda de “destruição construtiva”, ou seja, que ao mesmo tempo que profissões desaparecem, outras surgem em dobro, segundo o economista. Ele também lembra que a arte de fazer previsões é complicada, já que nem sempre tendências se confirmam. Mas, por enquanto, as transformações decorrentes do desenvolvimento da inteligência artificial parece estar apenas no começo.

  • Muitos venezuelanos e especialistas em economia e relações internacionais receberam com pessimismo o novo pacote de medidas econômicas lançado pelo presidente Nicolas Maduro. A moeda nacional sofreu uma megadesvalorização, perdendo cinco zeros, e deu lugar ao bolívar soberano.
    Em 1° de setembro, o salário mínimo sofrerá um aumento de quase 3.500%, o quinto reajuste do ano. Com o atual, não é mais possível comprar um quilo de carne.
    Na avaliação do economista Werner Corrales, ex-embaixador da Venezuela na Organização Mundial do Comércio (OMC) e ex-ministro do Planejamento, o conjunto de medidas é "absolutamente incoerente".
    "Elas irão provocar a quebra de muitas empresas e a obrigação do governo de estar novamente emitindo moeda, fazendo com que a inflação se multiplique. Vai ser um caos. Essas medidas significam o fim do governo Maduro."
    Segundo Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), este é o pacote mais radical e arriscado aplicado em Caracas nos últimos anos, com chances de sucesso praticamente nulas.
    "A medida da alteração da moeda, no fundo, é só para 'inglês ver'. Ela não resolve nenhuma das principais causas da inflação, que é a produção de dinheiro de maneira não disciplinada e também a escassez de produtos, que eleva os preços", observa Stuenkel. Como o economista Corrales, o especialista da FGV-SP considera que o reajuste do mínimo será insustentável para as empresas. "Elas têm dois caminhos: ou vão ignorar a medida ou vão demitir seus empregados, agravando o problema da imigração nos países vizinhos", destaca.
    Maduro decidiu ancorar o salário mínimo, as aposentadorias e a base dos salários para todas as faixas salariais do país em meio petro, a criptomoeda criada para obter liquidez. Cada petro equivale a cerca de 60 dólares, com base no preço do barril do petróleo venezuelano.
    Carolina Silva Pedroso, coordenadora do curso de Relações Internacionais na Universidade de Ribeirão Preto, emite reservas em relação a essa alternativa num momento em que a Venezuela não conta com a confiança dos mercados internacionais. Por outro lado, ela é menos pessimista do que a maioria dos analistas e acredita que as reformas de Maduro podem trazer um alívio temporário ao país.
    "Militares controlam mercado paralelo"
    É alto o risco de as novas medidas não conterem a espiral inflacionária. Até a semana passada, antes da chegada das novas cédulas, o FMI previa uma inflação de 1.000.000% para 2018 na Venezuela. Esta situação dramática para a maioria da população, que enfrenta escassez de alimentos, remédios e produtos de primeira necessidade, atende aos interesses dos militares, principal força de apoio a Maduro.
    "As Forças Armadas têm acesso privilegiado aos poucos produtos que circulam no mercado venezuelano e controlam sua distribuição. Num mercado de escassez, é muito fácil vender esses produtos no mercado negro por um preço altíssimo. Então, no fundo, as Forças Armadas não querem uma reforma nesse momento. Mesmo piorando a situação nos próximos meses, acredito que Maduro ficará no poder."
    Imigração vai aumentar
    A tendência nos próximos meses é de um agravamento do êxodo dos venezuelanos para os países vizinhos, segundo o professor da FGV-SP.
    "Os venezuelanos mais ricos já saíram para os Estados Unidos e a Espanha. A próxima onda será de pessoas muito pobres, que não têm o que comer e a maioria vai para a Colômbia, depois para o Equador, o Peru e o Brasil. É fundamental que os países vizinhos mantenham as fronteiras abertas e ajudem na integração e na distribuição dos venezuelanos nos territórios dos países vizinhos."
    Diante da multiplicação de incidentes envolvendo os imigrantes venezuelanos na região, o secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, pediu para que se "mantenham as portas abertas ao povo da Venezuela, vítima da pior crise humanitária que o continente já viu".
    Apesar da tensão interna e da troca de farpas entre Maduro e o presidente americano Donald Trump, a Venezuela mantém uma relação econômica forte com os Estados Unidos. O principal comprador de petróleo venezuelano continua sendo o governo americano.
    Em relação aos apoios externos, a Rússia e a China têm sido essenciais para a manutenção de Maduro, principalmente no suporte financeiro, além de Cuba, numa dimensão mais política. Nos últimos meses, no entanto, Stuenkel nota uma preocupação crescente de Pequim em não querer aparecer como corresposável pelo caos na Venezuela.
    A China também quer recuperar os créditos que possui com o governo venezuelano, da mesma forma que não quer que essa relação se torne um ponto de atrito com os Estados Unidos. O professor da FGV-SP não acredita que haverá movimentos abruptos nesse tabuleiro.

  • A plataforma que nasceu em agosto de 2008 se tornou um dos maiores sucessos de economia colaborativa. Mas a empresa californiana tem enfrentado cada vez mais críticas. Em diversas cidades, o preço dos alugueis explodiu e muitos moradores tiveram que se mudar dos grandes centros. Em resposta, prefeituras, como a de Madrid na Espanha, decidiram impor regras cada vez mais duras ao Airbnb.
    Dividindo um apartamento em São Francisco, nos Estados Unidos, Brian Chesky e Joe Gebbia não poderiam imaginar que estavam prestes a lançar o maior site comunitário de acomodações do mundo. Em 2008, a cidade americana recebia uma conferência que lotou boa parte dos hotéis da região. Os dois estudantes americanos em design decidiram então anunciar na internet o espaço que tinham para acolher alguns participantes. Nascia então o Air bed and breakfast, que viria a se chamar pouco tempo depois Airbnb.
    De lá pra cá, Brian Chesky e Joe Gebbia conseguiram captar U$ 3,4 bilhões em investimentos e o valor da empresa já ultrapassou a marca dos U$ 30 bilhões. Em 2017, o faturamento chegou a U$ 2,6 bilhões e a empresa americana pretende bater a meta de U$ 3,6 bilhões neste ano.
    Para explicar o sucesso, é preciso lembrar daquela velha máxima: “no lugar certo, na hora certa”. Airbnb nasceu em uma hora propícia, junto com a chegada do iphone, outro grande sucesso comercial, que ajudou a democratizar o acesso à internet. “As empresas como Uber e Airbnb são emblemáticas por terem conseguido levar à terceira fase da internet na história, permitindo que o mundo digital invadisse o mundo real”, escreveu Brad Stone, autor de “The Upstars”, um livro que conta a ascensão dessas duas empresas, nascidas quase ao mesmo tempo.
    Outro fator essencial para o sucesso da plataforma, foi conseguir criar um cenário de confiança para convencer milhares de pessoas de dormir na casa de desconhecidos. Isso só foi possível com o sistema de avaliações baseados em perfis verificados.
    Polêmicas
    Mas o sucesso da plataforma também está cercado de polêmicas. Grupos hoteleiros foram os primeiros a denunciar uma concorrência desleal, já que os impostos aplicados aos hotéis não eram cobrados do Airbnb.
    Mas a discussão mais importante girou em torno do mercado de aluguel, que em algumas cidades, quase desapareceu. A pesquisadora do Núcleo de Direito e Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, mestre e doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo, Bianca Tavolari, conta que ninguém esperava um impacto tão grande nesse mercado. “Demora um pouco para que os proprietários vejam as vantagens em colocar seus imóveis para alugar na plataforma. Mas a partir do momento em que isso começa acontecer de maneira massiva, a falta de regulação começa a ser um problema”, explica Bianca.
    Em muitos países, como no Brasil, a burocracia do mercado de aluguel tradicional foi um dos motivos para esse fenômeno. “Os contratos, com cláusulas contratuais, de despejo, de reajuste de preço, de duração, fizeram com que muitos optassem pelo Airbnb. O problema é que se todo mundo começa a fazer isso, eu deixo de ter um mercado de aluguel em áreas bem localizadas”, afirma a pesquisadora.
    Bairros sem moradores
    A análise que Bianca Tavolari fez sobre o Airbnb e os impasses regulatórios para o compartilhamento de moradia se tornou referência no assunto e foi publicado no livro "Economias do compartilhamento e o direito". Ela explica que, em muitas cidades, o preço dos alugueis explodiu e muitos moradores tiveram que se mudar dos grandes centros.
    A pesquisadora lembra que em 2014, o procurador de Nova Iorque, Eric Schneiderman, chegou a solicitar um relatório sobre os efeitos do aplicativo na cidade. Os dados revelaram que alguns bairros de Manhattan já não possuem mercado de aluguel tradicional. “Ou você é proprietário ou é turista. Você não consegue mais viver lá como morador da cidade querendo alugar um imóvel”, explica. Com a chegada de turistas em massa, que “não se importam em pagar mais para ficar em um lugar bem localizado, cria-se um problema de longo prazo no planejamento de moradias nas cidades”, analisa Bianca.
    Regulamentação
    A grande maioria das cidades na Europa decidiu restringir o uso da plataforma. Paris, por exemplo, limitou o aluguel pelo Airbnb a 120 dias por ano e já está aplicando multas aos proprietários que não respeitam a regra.
    Barcelona foi além e passou a multar o próprio Airbnb. “A prefeitura começou a exigir um cadastro de quem quer alugar seu imóvel pela plataforma. Com isso, pôde negar pedidos em áreas saturadas. Mas onde a cidade se destacou, foi na fiscalização. Enquanto a maioria das capitais multa o dono do imóvel em caso de irregularidades, Barcelona passou a aplicar multas milionárias diretamente ao Airbnb. O que colocou em debate sobre a responsabilidade da plataforma que até então se dizia uma simples intermediadora”, explica a pesquisadora.
    Outra cidade espanhola, Palma de Maiorca, passou a proibir o Airbnb e desde o mês passado começou a aplicar multas de € 40 mil em quem continua alugando seu apartamento pela plataforma.
    Talvez todo esse debate fez com que o Airbnb começasse a diversificar seu portfólio. Desde 2016, a empresa passou a vender atividades e experiências culturais e em breve vai disponibilizar novas opções de alojamento, incluindo quartos em pequenos hotéis.

  • A onda de calor que sufoca o território francês tem impacto também na economia. Com os termômetros marcando perto dos 40 graus, cada um tem a sua técnica para se refrescar. 
    Bebidas geladas são indispensáveis à beira da praia, diz um turista entrevistado pelo canal de TV France 2 em Gruissant, no sul do país. “Tem biscoito, suco de fruta, mas sobre tudo bebidas para hidratar as crianças”.
    Outra banhista tem uma fórmula simples: "Bastante banho, água e sombra,” diz.
    Resultado, água mineral virou artigo de luxo no balneário, lotado de visitantes nessa época do ano. No supermercado, o gerente diz que as vendas cresceram 40% e que o estoque está quase no fim.
    “As prateleiras normalmente estão cheias até o alto, e colocamos o máximo de garrafas ao alcance dos clientes. A mercadoria foi reposta ontem e já não temos a marca mais barata, e mesmo as outras estão no fim”.
    Para quem não tem a brisa do mar, o jeito é apelar para os ventiladores. Equipamento pouco usual na Europa, mas que agora virou um campeão de vendas.
    Segundo o Instituto de estudos de mercado GFK, as vendas de ventiladores aumentaram 125% no mês de julho em relação ao mesmo período do ano passado.
    No caso dos aparelhos de ar condicionado, que pouca gente imaginava comprar considerando que o período de calor e relativamente curto no país, o aumento das vendas chega a 192%.
    A razão é a intensidade do calor que faz nesse momento em quase todos os departamentos da França, com temperaturas acima dos 35 graus em várias cidades, especialmente nos últimos dois dias.
    Algumas indústrias estão surfando essa onda de calor. E o caso da empresa Climsom, sediada em Nantes, no oeste do país, que fabrica colchões refrigerados. Mas mesmo os fabricantes foram pegos de surpresa, como explica o co-fundador da marca, Frédéric Claudel. 
    “É verdade que em momentos como esse de calor extremo as vendas explodem. Temos dificuldade de atender a demanda que é enorme, e as vendas estão muito acima do que são em período normal," afirma.
    “Nós produzimos mais esse ano do que no ano passado, porque percebemos que as ondas de calor são cada vez mais frequentes, então nós antecipamos esse aumento de vendas, mas não o suficiente, porque foi ainda mais forte do que a gente imaginou. Acho que todos fomos surpreendidos, sobretudo depois do mês de junho, que na França foi pouco ensolarado e com temperaturas amenas. Então ficamos surpresos com as temperaturas altíssimas desse mês de julho e de agosto,” completa o empresário.
    Assim como o mercúrio dos termômetros, os números de vendas só sobem.
    “Faz uns dez anos que estamos no mercado e já vendemos, só no território francês, mais de dez mil unidades, e para dar uma ideia do impacto do calor sobre o mês de julho, fizemos mais 50 % de vendas em relação ao mês de julho habitual”.
    Esse tipo de produto pode interessar especialmente àquelas pessoas que dormem mal durante a noite. Segundo uma pesquisa encomendada pela própria empresa, 73% dos franceses acreditam que o calor tem um impacto negativo sobre a qualidade do sono.
    A explicação científica é que a temperatura é determinante para o ritmo biológico do corpo, influenciando na criação da melatonina, um hormônio chave na regulação do sono.
    A solução que vem de Nantes é colocar um colchão de aproximadamente um centímetro entre o colchão verdadeiro e os lençóis. Uma caixa conectada à rede elétrica, no pé da cama, guarda um tanque de água. Esta água flui através do colchão resfriando ou aquecendo, no inverno, com temperaturas que variam entre 18 e 48 graus. Disponível a partir de 350 euros, o equipamento consome menos energia do que a necessária para refrescar um quarto inteiro, dependendo da marca e do modelo.
    Perguntado se o calorão é bem-vindo durante todo o resto do verão, Frédéric hesita.
    “Sim num sentido e não em outro porque sofremos todos por causa do calor. Acho que nós não queremos muito nos equipar com um ar condicionado, porque é caro, é poluente e exige manutenção, enquanto o objetivo do nosso produto é reagir a tudo isso. Você simplesmente coloca sobre a cama e vai refrigerar somente a superfície da cama, consumindo pouca eletricidade, dez vezes menos do que a climatização tradicional, e sem emissão de gases de efeito estufa," explica.
    Outros pequenos cuidados podem diminuir a sensação térmica atual. Como simplesmente borrifar água no corpo. A prefeitura de Gruissant comprou 800 sprays de água termal para distribuir às pessoas mais fragilizadas nessa época, como os idosos.
    “As pessoas não sabem que se não bebemos água regularmente ou nos molhamos com frequência podemos ter sérios problemas e eventualmente ficarmos doentes,” diz o prefeito Didier Cordoniou, em entrevista para o canal de TV France 2.
    De acordo com a meteorologia, o calor deve diminuir na França nos próximos dias. Talvez não o suficiente para esfriar as vendas desse tipo de mercado.
     

  • O mundo está inundado de açúcar. Assim os analistas internacionais explicam a queda do preço dessa commodity. Entre abril e junho, “a libra-peso” de açúcar foi cotada, em média, a 11,91 centavos de dólar, 21,5% a menos do que um ano antes. Na última sexta-feira (27), o valor caiu para 10,88 centavos, uma queda não conhecida havia três anos.

    O cultivo comercial de cana-de-açúcar e de suas variedades ocorre em mais de 70 países e territórios ao redor do mundo. As condições climáticas explicam em parte os bons resultados. No Sul e no Sudoeste da Ásia, a cana-de- açúcar cresceu mais do que em outras temporadas.
    Índia e Tailândia, dois grandes produtores, tiveram condições meteorológicas ideais para o crescimento da planta. As colheitas fartas nesses países podem resultar em um superávit global de 11,1 milhões de toneladas na safra de 2017/2018.
    Além disso, há uma participação maior de produtores europeus no mercado mundial, como explica Ronaldo Knack, do portal Brasilagro.
    “Nessa safra 2018/2019 nós tivemos um incremento muito grande da produção. A produção da União Europeia cresceu 21%, ou seja, chegamos a 29,5 milhões de toneladas de açúcar de beterraba. Vale ressaltar que até dois anos atrás, havia um acordo através do qual os produtores europeus não poderiam disputar o mercado internacional. Com essa abertura do mercado internacional, houve um incremento de produção do açúcar europeu de cerca de 21%. A Índia simplesmente duplicou a sua produção de açúcar e também trouxe um impacto muito grande. A Tailândia, país que também disputa o mercado internacional, elevou em mais de 20% a sua produção de açúcar”.
    Em razão disso, a perspectiva sobre a colheita é de uma supersafra, uma das maiores em décadas, o que interfere diretamente no preço do produto.
    O impacto para os produtores é inegável, especialmente no Brasil, maior fornecedor mundial do produto e responsável por 45% das exportações mundiais.
    Em Nova York, o preço do açúcar bruto, que é referência mundial, caiu 27% desde o início do ano. Nenhuma outra matéria-prima teve resultado pior no período.
    Opção pelo etanol
    Diante desse cenário, a estratégia do setor canavieiro brasileiro é deslocar o foco para a produção de bio combustíveis, como explica Antônio de Pádua Rodrigues, diretor técnico da UNICA, a União da Indústria de Cana de Açúcar.
     “ O impacto é muito forte. Ele só não é mais forte porque o brasileiro tem uma alternativa que e a produção do etanol. Então esse ano a safra será muito mais alcooleira do que açucareira. Nós devemos reduzir a produção de açúcar em até oito milhões de toneladas dada a queda de safra e da possibilidade de você alterar o mix de produção. Com isso, aqueles produtores que têm mais flexibilidade e que vão aderir mais à produção do etanol, sem dúvida sofrerão menos do que aqueles que não têm flexibilidade e que não têm alternativa de produzir mais etanol do que açúcar.
    Segundo Pádua, o consumidor brasileiro sai ganhando.
    “O consumidor hoje está se beneficiando tanto do etanol quanto do açúcar, dado que no Brasil o grande mercado ainda é de exportação, apesar dessa redução, e os preços do mercado interno são muito ligados aos preços do mercado internacional. Então hoje, nesse momento, o consumidor brasileiro está muito beneficiado tanto pela questão dos preços do açúcar, quanto pela questão do preço do etanol”.
    Além das condições meteorológicas, outros fatores pesam nos resultados da lavoura de cana. Como a concessão de subsídios por parte de alguns países produtores. As usinas da Índia, por exemplo, vendem açúcar abaixo do custo, e atualmente devem aos agricultores locais cerca de 200 bilhões de rúpias, o equivalente a U$ 2,95 bilhões. Para tentar minimizar esse quadro e ajudar os produtores a pagarem suas dívidas, o governo indiano alocou 15,4 bilhões de rúpias, cerca de US$ 230 milhões para subsidiar uma parte dos pagamentos de cana feitos aos agricultores.
    Segundo o diretor da UNICA, uma concorrência desequilibrada e que não segue as mesmas normas da Organização Mundial do Comércio. 
    “ Precisaria acabar com esse protecionismo que existe nos mercados da China, da Índia, da Tailândia. Hoje o açúcar é uma commodity, e se a commodity está com o preço desvalorizado não e por conta do Brasil, mas por conta de subsídios desses países de uma forma não concorrencial que existe nesse mercado” .
    No Brasil é a seca que mais preocupa
    No Brasil, o cultivo comercial da cana-de-açúcar está relacionado ao desenvolvimento econômico. A maior concentração das lavouras está no estado de São Paulo, seguido por Goiás e Minas Gerais.
    O início da indústria açucareira no país se deu em meados do século XIV, no início do período colonial, quando foram introduzidas mudas de cana-de-açúcar provenientes da Ilha da Madeira. O primeiro registro de entrega de açúcar brasileiro na alfândega de Lisboa data entre 1520 e 1526.
    No entanto, um dos setores mais tradicionais do agronegócio nacional vem passando por grandes dificuldades financeiras, agora acentuadas pela longa estiagem que atinge o Centro-Sul do país desde o mês de abril. A falta de chuvas agrava o risco de incêndios decorrentes da seca e dificulta a renovação das lavouras.
    Na região de atuação da Associação dos Plantadores de Cana do Oeste de São Paulo (Canaoeste), por exemplo, desde o início do ano foram registrados 2.682 focos de incêndio. A maior parte dos casos ocorre nos canaviais margeados por rodovias. A seca é um dos fatores para a queda atual da produção brasileira de açúcar, afirma Ronaldo Knack.
    “Nós estamos prevendo uma quebra de produção em torno de 27% dos produtores brasileiros de cana. Domingo, uma das unidades do grupo Louis-Dreyfus teve um incêndio em um canavial que atingiu 600 hectares e uma das principais rodovias da região de Ribeirão Preto foi interrompida por três horas para o combate do fogo. Vale ressaltar que estamos há mais de 60 dias sem uma gota d’ água”.
    Praticamente todo o Estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, assim como áreas do Triângulo Mineiro e do norte do Paraná ficaram sem chuvas por um período entre 30 e 60 dias, segundo o Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
    Ronaldo Knack receia que as consequências da estiagem atual se estendam pelo próximo ciclo, aumentando as dificuldades do setor. “Desde 2007, já fecharam no setor da cana 120 usinas, de todos os portes, pequenas, médias e grandes. Só na área rural, segundo dados da USP, foram extintos 600 mil postos de trabalho. A indústria de base que fornece equipamentos nos processos de renovação para as usinas é um setor que esta passando os seus piores momentos".

  • Começa nesta quarta-feira (25), a décima cúpula dos BRICS, o grupo de países emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O encontro acontece em Johanesburgo, na África do Sul, país que tem a presidência rotativa da entidade. O tema principal da reunião é a 4a revolução industrial e colaborações na área comercial e de saúde também estão em pauta.
    Entre os maiores feitos nestes dez anos, está a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, em 2015, com foco em projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável.
    Para Jorge Arbache, Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, hoje a instituição é competitiva porque oferece taxas baixas e condições atrativas de financiamento. Segundo ele, o banco está em pleno funcionamento e importantes iniciativas têm sido alcançadas através dele.
    “Neste ano, no Brasil, nós acabamos de aprovar no Ministério do Planejamento dois projetos do Banco dos BRICS com os estados do Maranhão e do Pará. Tem vários outros projetos em desenvolvimento. O Banco dos BRICS fez uma importante operação com o BNDES, foi a primeira operação do banco com um cliente. Outros projetos estão em discussão no Brasil e muita coisa já está acontecendo também na China, na Índia, na Rússia e na Àfrica do Sul.”
    Para Marcos Troyjo, codiretor do laboratório dos BRICS da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, o banco dos BRICS tem a vantagem de trazer uma proposta diferente para o cenário internacional, sem competir com instituições financeiras mais antigas, mas precisa enfrentar desafios para se consolidar no cenário global.
    “Eu acho que ele tem sido muito pragmático, mostrando que ele não veio à existência para desafiar outras instituições como o Banco Mundial, bancos regionais, Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ele fez uma opção muito clara por financiar projetos de desenvolvimento sustentável. Agora, num determinado momento ele vai ter que responder a novos desafios, por exemplo, ele mantém a sua estrutura com cinco países ou vai incluir novos membros? Provavelmente grandes países emergentes como Indonésia e México poderiam também participar da estrutura de governança do banco”, argumenta.
    10 anos de história
    O bloco, criado em 2009, foi constituído em torno da ideia de reunir potências econômicas emergentes e propor uma força alternativa no cenário global. Nestes quase dez anos, no entanto, muitas expectativas não foram concretizadas, como explica Troyjo:
    “A profecia de certa forma foi cumprida quando você estuda China e Índia, dois países que crescem muito, e foi uma decepção no que diz respeito e Rússia e Brasil. Na tentativa de reforma da ordem internacional, acharam por bem incluir um representante do continente africano e esse país foi a África do Sul, que assume a presidência do BRICS, como aliança para tentar democratizar as estruturas de poder no mundo.”
    A reunião que começa nesta quarta-feira em Johanesburgo terá temas comerciais no centro da pauta. Para Troyjo, alternativas para aumentar o fluxo global de investimentos e comércio para fazer frente à guerra comercial que paira no ar devem ser um dos temas discutidos.
    Arbache lembra que os países do bloco já tiveram uma atuação econômica importante na busca de alternativas à crise econômica de 2008. “Durante períodos críticos como a crise do Lehman Brothers, os países dos BRICS conseguiram se coordenar, o que permitiu que esses países tivessem um protagonismo no retorno à normalidade econômica”, explica o secretário.

  • As chamadas energias verdes vêm ganhando cada vez mais espaço com a promessa de causarem menos impactos ambientais. Mas essa não é a única novidade. Essas novas energias também possibilitam que as pessoas gerem sua própria eletricidade e vendam o excedente.
    O ganho que cada pessoa poderá ter depende da sua realidade local, de quanta energia ela produz e de qual o seu consumo. Em alguns casos, o excedente pode chegar a cobrir o custo de uma conta de luz residencial. O diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura, Adriano Pires, explica que durante muito tempo os projetos energéticos foram baseados na centralização. Mas hoje a tendência é optar por iniciativas menores, que incorporem a geração descentralizada de energia, o que favorece a participação dos cidadãos.
    “Hoje no mundo, você gera sua energia com um coletor solar na sua casa e o que sobra você pode vender pra rede. O consumidor está se transformando num consumidor/produtor. Então ele consome energia e dependendo do consumo e da geração que ele tem dentro da casa, ele ainda pode vender energia. Isso é uma mudança extraordinária.”
    Cedric Philibert, analista da Agência Internacional de Energia, alerta, no entanto, que é preciso que as redes estejam adaptadas para poder aproveitar o excedente gerado por cada indivíduo e levar até o sistema de distribuição para que possa ser utilizado em outras regiões.
    O custo baixou, mas ainda há muitos desafios pela frente
    Philibert destaca ainda que o custo dessas energias é concentrado na sua implantação. Uma vez funcionando, os projetos tendem a funcionar com menos custos: “Tem muitas vantagens porque há um investimento inicial, mas não há fatores recorrentes. Não há gastos com combustível e as despesas de exploração podem ser baixas sobretudo para as energias fotovoltaicas.”
    Além disso, o rápido avanço tecnológico tem permitido que a implantação de energias verdes seja cada vez mais barata, como destaca Adriano Pires: “Esse é um grande desafio das fontes limpas, se tornarem competitivas economicamente. Isso tem avançado muito nos últimos anos. Se você olhar pra energia eólica, energia solar, o custo dessa energia tem caído muito nos últimos anos e caído em função de avanços tecnológicos. Ainda tem uma estrada pela frente”, afirma.
    Os desafios econômicos dessas energias ainda são grandes e variados. Para especialistas, o sucesso das energias verdes depende de uma combinação complexa entre diferentes tipos de energia que devem ser plenamente adaptadas a cada realidade local.
    Philibert explica que o clima, por exemplo, impacta diretamente nessa equação. “Se você estiver em um país temperado, como a França, quero dizer, um país frio, você vai ter uma grande demanda, sobretudo no inverno. Isso quer dizer que a energia mais conveniente será a energia eólica, que funciona melhor no inverno do que no verão o que vai combinar com a demanda. Todas as notas da Comissão Europeia indicam que vamos utilizar muita energia eólica. Já em um país muito ensolarado e quente é o contrário, a necessidade de energia se concentra no verão, quando se usa muito ar-condicionado. Nesse caso há muitos dias com sol e portanto muita energia solar disponível. Nesses países é a energia solar que vai dominar.”
    Inclusão de novos consumidores
    Outra grande vantagem das energias verdes é a possibilidade fazer a energia chegar a lugares remotos, onde a conexão com redes tradicionais é muito difícil. Isso tem um impacto econômico e também social, avalia Cedric Philibert. “No Brasil, em algumas regiões, também em outros países da América Latina e, sobretudo, na África subsaariana e no sudeste asiático, um dos grandes valores das energias renováveis é o de levar eletricidade aos milhares de habitantes do planeta que ainda não têm acesso a ela. Levá-la de forma rápida, potencialmente mais barata, principalmente a lugares de baixa densidade populacional onde a energia é esperada há muito tempo.”

  • Uma concorrente do outro lado do globo ameaça a liderança mundial do Brasil na produção de açúcar, um posto que o país ocupa há mais de 20 anos. Condições climáticas favoráveis e uma política generosa de subsídios do governo devem fazer a Índia assumir o primeiro lugar do mercado.
    A mexida no tabuleiro acontece num contexto de preços historicamente baixos, devido ao maior excedente da história nos grandes produtores. Com os estoques de sobra, desde o ano passado, as quedas dos valores da tonelada se acumulam, um cenário que deve permanecer por pelo menos mais nove meses, na opinião de analistas de commodities.
    “Infelizmente, isso não é bom para ninguém. O preço de 12 ou 13 centavos de dólar por libra-peso de açúcar bruto mal cobre os custos de produção no Brasil, por exemplo”, explica o economista Philippe Chalmin, professor da Universidade Paris-Dauphine. “A Índia praticamente precisa subvencionar as exportações, e a conjuntura se tornou muito difícil para os produtores europeus, que vivem a primeira safra sem ajuda da política agrícola europeia, desmantelada no ano passado.”
    François Thaury, especialista em mercado internacional de açúcar da consultoria francesa Agritel, reconhece a dificuldade em fazer previsões em um setor volátil quanto o de açúcar, mas avalia que o excedente mundial da safra em curso, com fim em setembro, deve ser de 10 a 12 milhões de toneladas, devido à surpresa indiana. A expectativa é de que, em 2018-2019, a Índia atinja ao menos 32 milhões de toneladas, enquanto a produção brasileira não deve ultrapassar 31 milhões de toneladas.
    “Não podemos afirmar que, a longo prazo, a Índia vai substituir o Brasil no posto de maior produtora mundial, mas de maneira pontual é muito possível. Eu diria que o primeiro lugar vai passar a ser arduamente disputado. Porém, não significa que a Índia passará a ser a líder mundial no setor, porque a produção de açúcar indiana depende muito dos subsídios do governo, que sustenta artificialmente o preço da cana acima do mercado.
    Migração para o etanol
    Thaury aponta que, diante dessas previsões para o concorrente, o comportamento do Brasil será a única variável de ajuste dos preços. Com os valores pouco atraentes do açúcar, os produtores de cana brasileiros têm se direcionado para o etanol, um mercado que se anuncia promissor devido ao programa RenovaBio de incentivo ao biocombustível, em expansão no país, e em um contexto de petróleo caro. Da mesma forma, o etanol começa a seduzir a Índia, que anunciou recentemente US$ 670 milhões de investimentos no setor, ainda incipiente.
    “Há uma forte demanda por etanol no Brasil. Além disso, os rendimentos estão piores neste ano por causa da seca na região centro-sul do Brasil. Portanto, podemos ter uma colheita em queda neste ano, o que poderia, em tese, elevar os preços internacionais. Mas essa diminuição brasileira não vai ser suficiente para compensar o bom nível de produção nos outros países fabricantes”, afirma Thaury.  
    Chalmin é ainda menos convicto de que a liderança indiana virá para ficar. Ele sublinha que o Brasil permanece, de longe, o maior produtor mundial de cana-de-açúcar.
    “A Índia não tem vocação a ser exportadora: a prioridade lá é a agricultura para consumo interno. Temos situações semelhantes no mercado de cereais, quando a Índia desponta, em uma safra, como uma grande exportadora de trigo. Ela só vai desbancar o Brasil no açúcar neste ano, e provavelmente no próximo, porque os brasileiros vão deslocar a produção para o etanol”, garante.
    Influência da crise
    A crise brasileira é outro fator conjuntural que influencia na perda da competitividade do país, ao dificultar a renovação das máquinas agrícolas e das plantações onde há potencial. As incertezas ligadas às eleições não ajudam a dar confiança aos investidores estrangeiros que atuam no Brasil, ressalta Thaury. Ainda assim, o analista pondera que a presença externa no país continuará indispensável.
    “O problema é que o real tem tendência a se desvalorizar, o que deixa tudo mais complicado. Mas muitos investidores persistem e mantêm a decisão de permanecer no país, como a francesa Tereos, porque o Brasil faz parte da estratégia de desenvolvimento internacional”, diz o analista. “Qualquer fabricante de açúcar que tem ambições internacionais não pode estar ausente do Brasil.”

  • Stéphane Garcia estava insatisfeito com os rumos do trabalho de enfermeiro, ao mesmo tempo em que sua mulher foi promovida para um cargo de gerência depois de parir a terceira filha do casal. Na hora de decidir sobre quem cuidaria da caçula, o francês não hesitou: foi ele quem colocou um parêntese na carreira, enquanto a esposa retornou ao trabalho ao final dos três meses da licença maternidade na França.
    A escolha não foi nada fácil – não porque Stéphane temesse pelo seu futuro profissional, mas porque as pessoas ao redor da família não compreenderam a atitude. Na França, apenas 4% dos pais desfrutam de uma licença parental, recurso disponibilizado pelo governo para que o pai ou a mãe se afaste por até três anos do emprego para dar atenção aos filhos pequenos. No caso de Stéphane, foram dois anos dedicados não só à educação das meninas, como aos cuidados da casa. É ele quem cozinha, faz as compras, lava e passa a roupa.
    “Desculpa, eu tinha esquecido da nossa entrevista. Eu estava em plena limpeza da casa”, começa o enfermeiro.


    Para quem ganha menos
    A escolha foi resultado de um cálculo matemático que costuma ser desfavorável às mulheres: quem pega a licença parental é o menor salário do casal. As desigualdades no mercado de trabalho se encarregam do resto. Quase sempre, a responsabilidade recai sobre as mulheres – na França, 50% delas diminui o ritmo da atividade profissional depois do nascimento do primeiro filho, com consequências diretas na evolução da carreira.
    No caso dos Garcia, os dois tinham rendas equivalentes, de cerca de € 1.400 por mês. Mas a promoção da esposa a faria ganhar € 400 a mais por mês.
    “Ela teve de consagrar mais tempo ao trabalho, foi a Paris fazer reuniões e cursos para o novo cargo. A licença permitiu que ela se realizasse no seu trabalho e eu pudesse ficar mais em casa com as minhas filhas, algo que senti falta quando as duas primeiras nasceram”, lembra o francês. “Mas não foi nada simples: as pessoas me julgam o tempo inteiro, não compreendem. Me perguntam: por que você está fazendo isso?”
    Os comentários maldosos chegaram até a insinuar que a esposa tivesse um “affair” na capital, enquanto ele ficava cuidando dos filhos. Durante esse período, ele pôde reavaliar a própria carreira e, junto com a mulher, tomou a decisão de se mudar para o Canadá. Mais uma vez, é Stéphane quem vai dar apoio aos projetos da esposa, que retomará os estudos na área jurídica.
    “Do jeito que as pessoas falam, parece que eu sou um extraterrestre e que a minha escolha é degradante para mim – o que eu discordo totalmente. Em casa, nós sempre compartilhamos todas as tarefas”, afirma o enfermeiro.
    Estranhamento na empresa
    O motorista Frédéric Besnard vive uma situação semelhante. A mulher dele trabalha com comunicação e jamais cogitou se afastar do emprego além da licença-maternidade, após o nascimento dos quatro primeiros filhos do casal. Mas a chegada da quinta criança colocou-lhes diante de um problema frequente na França, a falta de vagas nas creches.
    Sem dinheiro para pagar uma babá para cuidar da caçula, os Besnard chegaram à conclusão de que a melhor solução seria Frédéric desfrutar de licença de um ano para cuidar das duas filhas menores. De quebra, também é ele quem faz a maioria das tarefas domésticas, enquanto a esposa trabalha.
    “Oficialmente, os meus chefes não disseram nada, afinal eles são obrigados a aceitar. Foi a primeira vez que um homem pediu uma licença parental na minha empresa”, relata o pai de família, morador da região parisiense. “Eu senti que eles acharam o meu pedido esquisito, como se não achassem normal o pai sair de licença. Acho que muita gente pensa assim na França.”


    A reação dos familiares e amigos, porém, foi mais compreensiva. “No meu entorno, algumas pessoas ficaram surpresas, mas aquelas que conhecem bem a mulher, sabem que ela não iria querer parar de trabalhar”, assegura Frédéric. “Como era o nosso quinto bebê, a licença maternidade foi maior, de seis meses. No final, ela já estava até achando que era tempo demais.”
    Obrigatoriedade da licença e maior remuneração
    Especialistas no assunto constatam que dois fatores poderiam incitar mais homens a pegar a licença parental e, assim, contribuir para a igualdade entre os sexos no mercado de trabalho. Primeiro, que eles fossem obrigados a se afastar do emprego para cuidar do bebê recém-nascido. 30% dos franceses chegam a rejeitar a licença paternidade, que dura 14 dias no país.
    Em segundo lugar, seria importante aumentar o valor do benefício e aproximá-lo do salário real. Atualmente, quem está em licença parental recebe no máximo € 390 na França, durante seis meses. O valor equivale a um terço do salário mínimo, e pode, eventualmente, ser complementado por ajudas sociais familiares, que variam conforme a renda do casal.
    Após os seis meses remunerados, o trabalhador tem apenas a garantia de recuperar o emprego de volta, mas fica sem renda, por mais 18 meses no máximo. Em muitos casos, o custo elevado das escolinhas ou babás não compensa o retorno ao trabalho nos primeiros anos de vida do bebê.
    O modelo alemão, visto como mais incitador a uma mudança de hábitos, paga melhor (65% do salário), porém por um período total mais curto (até 14 meses). Os verdadeiros bons exemplos, porém, vêm dos países nórdicos. Na Suécia, um conjunto de medidas faz com que o índice de homens que se beneficiam da licença parental seja de 40%, conforme a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).


    Portugal: um exemplo que vem do sul
    A pesquisadora Hélène Périvier, especialista em desigualdades no mercado de trabalho do Observatório Francês da Conjuntura Econômica (OFCE), também destaca o caso de Portugal, que, com um conjunto de reformas recentes, se aproxima do modelo escandinavo.
    “A taxa de atividade profissional das portuguesas é muito elevada. As reformas para equilibrar melhor as licenças familiares são bastante incitativas para os pais: para começar, eles são obrigados a tirar pelo menos 20 dias”, explica Périvier. “É um caso exemplar na Europa, que se destaca em relação à França, por exemplo, nessa questão do compartilhamento das tarefas na família. Em vários setores, tirar a licença não é algo bem visto e, tradicionalmente, nenhum homem pega.”
    O afastamento das mães do mercado de trabalho tem impacto na economia. Mulheres qualificadas perdem espaço e suas competências acabam desperdiçadas, ressalta a pesquisadora.
    “Quando pessoas se retiram do mercado, temos uma população ativa menor e o grande desafio é que elas possam voltar ao mercado com um mínimo de perdas. A vontade de estimular as mulheres qualificadas a voltar logo ao emprego foi um dos fatores determinantes da recente reforma da licença parental alemã”, observa a especialista.
    Em vários países europeus, o afastamento profissional também tem consequências na aposentadoria das mulheres. O período de ausência pode ser descontado ou contabilizado de uma maneira desfavorável, na comparação com o pai, que continuou a trabalhar.

  • As dimensões continentais do Brasil costumam ser evocadas para justificar a fraca rede ferroviária em operação no país – mas Estados com territórios semelhantes ou ainda maiores, como Estados Unidos, Canadá, Rússia e China, possuem uma cobertura incomparável à brasileira. Em um século, entre avanços e recuos, a malha ferroviária do país permanece com a mesma extensão, de 30 mil quilômetros – contra 87 mil quilômetros no caso da Rússia e 86 mil quilômetros na China, duas economias emergentes como a brasileira.
    Não precisa ir muito longe para encontrar outros exemplos. A vizinha Argentina dispõe de 37 mil quilômetros de ferrovias, embora tenha um terço do território brasileiro. A opção pelas rodovias para o transporte tanto de cargas, quanto de passageiros, data dos anos 1950. O presidente Juscelino Kubitschek tinha pressa em fazer o país se desenvolver 50 anos e cinco.
    JK fez uma escolha adaptada ao seu tempo. Porém, desde então, nenhum governo foi capaz de melhorar o quadro – não só atender a demanda por ferrovias, quanto de navegação, para a qual o potencial também é enorme.
    “No caso do Brasil, 80% da nossa economia está a menos de 500 quilômetros da costa. O transporte de navegação por cabotagem é, naturalmente, o mais eficiente para distâncias acima de 1.000 quilômetros”, explica Fabiano Pompermayer, diretor de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação e Infraestrutura do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). “Para o interior, se não há a opção da hidrovia, que tende a ser a mais barata, se justifica a ferrovia. Precisaríamos de pelo menos 10 mil quilômetros a mais de ferrovias para atender à demanda reprimida no país.”


    Atualmente, 65% do transporte de cargas no Brasil é feito por caminhões – embora a capacidade dos trens seja três vezes superior, por cada vagão. Os trens também são mais em conta no gasto de combustível – utilizam 30% do gasto dos caminhões por quilômetro. Tudo isso faz com que o balanço ambiental dos trens seja incontestavelmente mais favorável que o dos caminhões.
    A maior necessidade ferroviária é atender a região Centro-Oeste, para escoar a produção agrícola e mineral para o norte do país, e aumentar a capacidade para alguns portos das regiões sul e sudeste.
    Sem demanda para trens de passageiros
    O especialista pontua que, apesar de esse ser o sonho de muitos turistas, o país não possui densidade populacional suficiente para ter uma malha ferroviária de transporte de passageiros semelhante à encontrada na Europa. Segundo o diretor do Ipea, apenas o eixo Rio-São Paulo e outros trechos no ABC paulista justificariam a construção de ferrovias para levar pessoas.
    “As ferrovias russas, por exemplo, atendem carga e passageiros. Não tem tanta densidade de tráfego assim, mas dadas as distâncias, essa escolha fazia sentido quando foi implementada, no regime socialista. E na China, a densidade seja de carga, seja de passageiros, é enorme. Naturalmente, a ferrovia vira uma boa opção”, observa Pompermayer.


    Futuro sobre os trilhos
    Desde 2005, os governos brasileiros vêm tentando reverter as deficiências – as equipes para tratar da questão se profissionalizaram, os modelos de contratos foram atualizados e as regras para o investimento privado ficaram mais claras, com menos interferência estatal nas etapas de construção e operação. Existe a promessa de lançamento de dois leilões para concessões de ferrovias ainda neste ano: a da Ferrovia Norte-Sul, entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP) e a Fiol, que liga o Tocantins à Bahia.
    Apesar das incertezas ligadas às eleições de outubro, Pompermayer mantém o otimismo: ele percebe que um dos principais entraves à atração de investimentos, a participação excessiva do Estado nos contratos anteriores, começa a cair.
    “A gente já está na direção de fazer isso. Demoramos, mas reestruturamos o quadro de pessoal e, principalmente, agora deixamos de lado a ideia de fazer tudo com orçamento público”, indica. “Vamos fazer via concessões, colocando a iniciativa privada para fazer a construção. Chegou-se a um pragmatismo nessa questão: a única opção é fazer via concessão.”
    Entraves para a expansão
    Isso porque a construção de ferrovias é no mínimo quatro vezes mais cara do que as ferrovias: a partir de R$ 8 milhões por quilômetro, contra R$ 2 milhões para uma estrada de mão dupla. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) indica que, além dos investimentos pesados, fatores como o mau estado de conservação da malha atual e a falta de integração entre as ferrovias existentes também dificultam o desenvolvimento do setor.
    Além disso, muitos trens foram planejados para passar pelas áreas urbanas, o que atrapalha o funcionamento de todo o sistema. O número de passagens de nível (quando uma ferrovia cruza com uma rodovia) em situação “crítica” é elevadíssimo, uma das principais causas de acidentes.
    Outro fator apontado pela entidade é o prazo curto das concessões, de 30 anos. Especialistas indicam que, para se tornar interessante para uma companhia privada, o plano deve prever o dobro do limite atual.

  • A alta do preço do petróleo desde o início do ano está longe de preocupar apenas o Brasil – a subida do barril para além de US$ 80 ameaça a retomada econômica mundial, alertam analistas do setor. Um dos pilares da volta do crescimento após anos de crise internacional foi o preço baixo da energia, que favorece a atividade.
    Num mercado tão sensível à especulação como o do petróleo, poucos se arriscam a apostar até onde vai a alta do ouro negro. A disparada em curso veio após a retirada dos Estados Unidos do acordo nuclear iraniano, que levantou dúvidas sobre a capacidade de Teerã continuar a exportar. Num contexto geopolítico tenso, os analistas mais pessimistas afirmam que uma paralisia completa da produção da Venezuela, uma das maiores fornecedoras, levaria facilmente o preço do barril a US$ 100. Esse valor ocasionaria consequências dramáticas no mundo, a começar pelo aumento da inflação e das taxas de juros, com potencial de gerar uma nova crise global.
    “O preço está subindo simplesmente porque há muitas dúvidas sobre o futuro da produção mundial. E apesar do atual preço alto, os investimentos petrolíferos permanecem limitados: o petróleo continua vindo dos poços já explorados”, explica Jean-Pierre Favennec, professor da Escola do Petróleo e Motores e autor de obras sobre geopolítica da energia. “Com um barril a US$ 50, não valia a pena investir, mas a US$ 80 sim – só que isso não está ocorrendo. Ou seja, corremos o risco de não termos petróleo suficiente nos próximos anos.”
    Rússia e Arábia Saudita podem recuar
    Um alento à situação veio na sexta-feira passada: após uma reunião, a Arábia Saudita e a Rússia, segunda e terceira maiores produtoras, sinalizaram disposição de flexibilizar o acordo de limitação da produção que haviam firmado em 2016, em reação à concorrência americana. As duas potências avaliam que o impacto negativo para a economia dos seus clientes não compensa uma alta superior a US$ 60, na visão dos russos, ou US$ 70, conforme os sauditas.
    Com mais oferta no mercado, o valor tende a cair. Os americanos, os líderes mundiais graças às reservas de xisto, mantêm uma produção abundante É por isso que Céline Antonin, especialista em mercado de petróleo do Observatório Francês de Conjuntura Econômica (OFCE), não acredita que a alta vá se acelerar.
    “O barril a US$ 80 ainda é gerenciável para a maioria dos países: é o nível de preço médio dos últimos 10 anos. Nós estávamos acostumados a um preço anormalmente baixo entre 2014 e 2016”, observa a analista francesa. “É claro que um petróleo mais caro gera um impacto negativo para o PIB dos países importadores, mas, ao mesmo tempo, os efeitos positivos para os produtores não é tão significativo assim. Ou seja, globalmente, esse cenário é ruim para a economia global, embora a US$ 80 ele ainda não comprometa significativamente a retomada mundial.”
    Favennec também considera o valor atual mais equilibrado para a oferta e a demanda. “Havia um cenário ideal para favorecer a retomada econômica mundial e, entre os fatores, estava o preço baixo do petróleo”, sublinha o autor de Géopolitique de l’Energie (A Geopolítica da Energia, em tradução livre). “Acho que um barril a US$ 80 é elevado, mas até US$ 70 é satisfatório, em especial para os países produtores, que estavam com muitas dificuldades quando o preço estava baixo demais, como a Venezuela, a Angola e a Nigéria.”
    Combustíveis mais caros na Europa – mas controle de preços descartado
    O aumento dos preços nas bombas se faz sentir nos postos por toda a Europa. Na França, o litro da gasolina subiu 9% no último ano e está em € 1,54 (R$ 6,64). Um estudo do Banco da França mostrou que a alta dos valores já causou uma elevação de 0,4% da inflação na União Europeia.
    Por enquanto, os governos europeus descartam qualquer intervenção para controlar os valores, uma medida só usada em situações extremas, devido ao impacto negativo nos cofres públicos. Nestes casos, a queda artificial se faz pela diminuição dos impostos, que respondem por até 60% do valor do litro de combustível na Europa, nota François Perrin, pesquisador associado do OCP Policy Center, de Rabat, e diretor de pesquisas em energia do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris.
    “No caso europeu, os países têm restrições de déficit orçamentário impostas pelos acordos da União Europeia e é muito raro, praticamente excepcional, que eles baixem os impostos sobre os combustíveis, para não afetar a arrecadação”, ressalta Perrin. “Os impostos sobre os combustíveis são uma fonte muito importante de entrada de recursos nos países-membros da União Europeia.”

  • Paris se tornou a primeira capital mundial a ter a sua própria moeda local, a pêche. A iniciativa nasceu na vizinha Montreuil, em 2014, e desde então se expandiu para outras cidades a leste da capital francesa, até que chegou à Cidade Luz.
    Por enquanto, a inauguração é tímida: 12 estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços da cidade aceitam vender em pêches. No total, na região parisiense, cerca de 100 locais usam a moeda alternativa ao euro.
    A rede sustenta um circuito de economia solidária – o último dos objetivos é ter vantagens financeiras. Pelo contrário: quem adere à proposta quer é fugir do sistema financeiro tradicional.
    “É importante para transformar a economia em nível local, viver de uma outra maneira e nos tornarmos cidadãos responsáveis, ao criarmos um novo circuito ético e solidário”, explica Brigitte Abel, cofundadora da pêche. “É uma moeda que nunca poderá ir para a especulação, para atividades criminosas nem para os paraísos fiscais. Nós queremos desenvolver uma riqueza local, com pessoas daqui.”
     

    Crise financeira lançou projetos por toda a França
    Iniciativas como essa pipocaram pela França e outros países europeus desde a crise financeira de 2008, encabeçadas por associações cansadas dos abusos do sistema tradicional. Eles argumentam que, com a moeda alternativa, investem na economia real, com geração de riqueza e empregos na região.
    Um ponto em comum entre os participantes é a sensibilidade à causa ambiental: ao estimular um circuito restrito de compra e venda, a moeda local favorece uma produção sustentável, com menos logística, portanto menos impacto ao meio ambiente. Os parceiros devem assinar um documento no qual se comprometem a cumprir uma série de requisitos social e ecologicamente responsáveis.
    É por isso que multinacionais e grandes cadeias de lojas não podem, por definição, participar da rede de moedas locais.
    “O interesse pela economia cidadã e ética é muito forte, mas há também interesses comerciais. Os participantes são reconhecidos como integrantes de uma rede que valoriza a ecologia, o bem-estar animal, a produção local, a agricultura orgânica e a democracia participativa”, comenta SarahTartarin, copresidente da associação Une Monnaie pour Paris (Uma Moeda para Paris), que está por trás da iniciativa na capital. “Uma empresa apta a usar pêches responde a esses valores e vai atrair os consumidores que também são sensíveis a isso.”

    Para poder colocar o projeto em prática, a associação conta com subvenções das prefeituras envolvidas. O principal suporte foi para a impressão das notas, que ilustram paisagens urbanas, como o metrô, e são protegidas contra falsificações, como qualquer nota.
    Financiamento solidário
    A entidade não revela quantas pêches estão em circulação. A moeda é indexada à divisa comum europeia e vale 3% a mais, ou seja, uma pêche vale € 1,03. Os euros recolhidos são depositados em um fundo de garantia, no banco solidário Nef.
    “Se você precisa recuperar os euros, você pode vir buscá-los neste fundo de garantia. Mas os participantes podem escolher o que fazer com os 3% de valorização”, ressalta Sarah. “A grande maioria prefere doar a associações parceiras da nossa, para financiá-las, ou então doar para os comerciantes participantes, que separam um caixinha para dar para pessoas necessitadas que não tenham o que comer, por exemplo.”
    A França já tem 40 moedas locais, distribuídas pelas mais diferentes regiões. A mais famosa é a Eusko, aceita por mais de 600 comerciantes do País Basco francês, no sudoeste do país. Estima-se que o equivalente a € 750 mil em euskos estejam em circulação - uma prova de que, quando adotadas pela população, elas podem se tornar de fato uma moeda alternativa para as despesas correntes.

  • Dois dias de negociações de alto nível entre representantes dos Estados Unidos e da China não bastaram para os países saírem do clima de guerra comercial, desde que o presidente americano, Donald Trump, decidiu diminuir à força o déficit comercial com o país asiático. Neste confronto entre as duas maiores economias do planeta, o resto do mundo assiste ao desfecho de camarote – e a países emergentes como o Brasil, não resta alternativa a não ser aproveitar os poucos efeitos positivos, mas limitados, desse combate.
    Na reunião bilateral, ocorrida na semana passada em Pequim, americanos e chineses mantiveram profundas divergências, mas se comprometeram a intensificar a comunicação para tentar chegar a um entendimento. Intempestivo como de costume, Trump anunciou que, mesmo assim, decidira dobrar para US$ 200 bilhões o objetivo de redução do excedente comercial chinês com os Estados Unidos.
    Enquanto isso, a metralhadora do imprevisível presidente americano segue apontada para diversos outros países. Ele joga com o tempo nas suas ameaças de barreiras tarifárias contra o alumínio e o aço europeu, canadense e mexicano.
    Quanto ao Brasil, Trump teve menos piedade. Desde o dia 26 de abril, Washington impôs um ultimato a Brasília nesta questão: ou o país aceita o aumento das tarifas de importação para 10% e 25%, respectivamente, ou terá de se conformar com uma cota máxima de exportação dessas matérias-primas para os americanos.
    O cenário desagrada Brasília, que se vê com pouquíssima margem de manobra: o país é, incontestavelmente, o lado fraco da disputa. “O Brasil não tem muito o que fazer. Em briga de dois elefantes, somos a grama”, ressalta o atual vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro Camargo Neto.
    Vácuos na agricultura – mas por pouco tempo
    Temporariamente, a briga entre Washington e Pequim tem gerado alguns efeitos positivos para a agricultura brasileira. Graças à retaliação imposta aos americanos, os chineses têm importado mais de outros países. Os preços de carne suína, por exemplo, subiram, e a soja do Brasil poderá se beneficiar do espaço deixado pelos americanos no mercado chinês.
    “Ninguém sabe se eles vão entrar em acordo, e nessa guerra o Brasil pode ser beneficiário, com preços melhores. Mas é um enorme risco, porque no dia em que eles entrarem em acordo, os preços voltam ao normal”, nota Camargo Neto. “Às vezes, o Brasil faz investimentos para atender ao preço maior, mas depois esse valor não existirá mais. O Brasil tem competitividade para vender para a China independentemente dessa guerra, e o que queremos é ser um supridor de longo prazo e estável.”
    Acordo com o Mercosul: uma resposta da Europa?
    Outro ponto que pode ser favorável ao país é mais indireto. Diante da ofensiva protecionista que Trump e a consequente cascata de represálias internacionais, o acordo comercial com o Mercosul pode se tornar estratégico para União Europeia.
    A finalização das negociações, que já duram quase 20 anos, seria uma resposta não só comercial, como política às investidas do presidente americano.  
    “O colapso do acordo Transatlântico (Tafta), devido à postura de Trump, e a necessidade da União Europeia de aprofundar alguns mecanismos do seu processo político – que também está em crise e é questionado pelos populismos europeus – fazem com que se abra uma oportunidade muito particular, favorável a um acordo com os latino-americanos. Com todas as resistências e o custo que têm esse tratado, não se pode perder de vista que há uma oportunidade que pode ser limitada no tempo”, avalia Carlos Winograd, professor da Paris School of Economics, de Paris. “Neste momento, há incentivos muito fortes para negociar o melhor acordo possível.”
    China na OMC: o calcanhar de Aquiles de Trump
    Experiente nas negociações internacionais agrícolas e nas disputas comerciais envolvendo o Brasil, Camargo Neto avalia que, no fundo, Trump quer rever as condições que marcaram a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), há 17 anos. Desde então, Pequim se transformou em uma máquina exportadora, quase impossível de controlar.
    “O que Trump contesta hoje são iniciativas que foram lideradas pelos Estados Unidos. Quando a China entrou na Organização Mundial do Comércio, em 2001, eu achei que o acordo estava bom demais para a China, que passaria a ter acesso a tanta coisa. Me questionei por que os Estados Unidos aceitaram um acordo excessivamente benéfico para os chineses, mas acho que hoje eles se arrependeram”, comenta o empresário.  
    O momento, complementa Winograd, é de uma discussão profunda da dinâmica do comércio internacional no futuro. Neste contexto, a relevância da própria OMC está à prova.
    “O que se observa é uma mudança estrutural entre o modelo industrial do século 20 e um novo modelo de serviços de tecnologia no qual alguns setores e regiões clássicos do emprego nos Estados Unidos estão em queda e parcelas da população se sentem ameaçadas. E não só nos Estados Unidos, como em todas as economias desenvolvidas”, afirma o economista.

  • Conhecida pela resistência às mudanças e as greves que paralisam o país, a França sob Emmanuel Macron experimenta um ritmo inédito de reformas. O passo é tão acelerado que os franceses têm dificuldade de acompanhar. A mais ambiciosa, porém, recém começou a ser debatida: a que pretende unificar os regimes de aposentadorias na França. O projeto promete ser a prova de fogo ao audacioso plano do presidente, de colocar o país em uma via social-liberal. 
    Em menos de um ano de governo, Macron emplacou alterações nas mais variadas áreas - no plano econômico, mirou no mercado de trabalho, na folha de pagamentos e na carga tributária, com o fim do imposto sofre fortuna. Agora, avança na revisão das vantagens dos trabalhadores do setor ferroviário, historicamente avessos a transformações e com uma forte mobilização sindical. A opinião pública, porém, se mostra ao lado de Macron: segundo as pesquisas de opinião, desde o início da greve dos ferroviários, o apoio à reforma cresceu e conquista 65% da população.
    “É verdade que os franceses começam a compreender os prejuízos causados por 30 anos de imobilismo econômico. As pesquisas, que são um indicador, mostram que há uma tomada de consciência de que a França precisa ser modernizada, embora essa maioria não seja ampla”, opina o economista e consultor Marc Touati. “Para mim, o problema é que ainda nem chegamos nas verdadeiras reformas que o país precisa. Se para ‘reformetas’ como essas já temos várias greves, tenho dúvidas de como será quando for preciso promover uma queda acentuada dos impostos e dos gastos públicos, dois temas que ainda nem estão na mira do governo.”

    Economia em recuperação e apoio no Parlamento
    O analista econômico Emmanuel Jessua, diretor de estudos da Coe-Rexecode, constata que Macron só está conseguindo avançar na sua agenda reformista por desfrutar de uma conjuntura econômica favorável – uma vantagem que os governos precedentes não dispunham, em meio à crise internacional.
    “Sem dúvida, o contexto econômico ajudou, graças aos efeitos positivos de algumas medidas tomadas pelo governo de François Hollande e à retomada global da atividade na zona do euro. A conjuntura está bem mais positiva e pode ajudar a aceitar melhor certas reformas, como vimos na do mercado de trabalho”, destaca o especialista em política econômica francesa. “É mais fácil flexibilizar as regras trabalhistas quando o desemprego está em queda e o crescimento voltou a subir.”
    Outro fator fundamental é o apoio que o presidente tem no Parlamento. Os projetos de lei passam sem dificuldades na Assembleia Nacional e no Senado, nas quais Macron conta com uma maioria confortável formada por nomes de esquerda, centro e direita.
    "Estado de graça" não vai durar
    Touati avalia, porém, que o presidente poderia ter avançado ainda mais rápido no calendário de projetos: o estado de graça do primeiro ano de governo tende a se dissipar nos anos seguintes.
    “Ele poderia ter ido bem além. Há um contexto econômico favorável, com vários indicadores retornando ao verde, mas, principalmente, há um contexto político muito oportuno: Macron tem a sorte histórica de estar sem oposição”, afirma o economista e diretor do escritório Adcefi, em Paris. “Infelizmente, nos próximos meses esses dois fatores podem se reposicionar negativamente e vai ficar mais difícil de aprovar reformas.”
    É o que pode acontecer com a reforma das aposentadorias, que tende a atingir uma parcela muito maior de franceses do que os projetos debatidos até agora. Macron pretende colocar o assunto oficialmente na pauta em 2019, mas começou desde já a forjar as discussões entre os sindicatos, o patronato, os parlamentares e o próprio governo.
    “A reforma das aposentadorias é claramente ambiciosa, de longo prazo e bem-vinda, porque vai tornar o sistema mais homogêneo. Hoje, é tudo muito fragmentado”, nota Jessua. “No entanto, ela só entrará em vigor no fim do mandato dele, por isso é possível que não haja tanta resistência assim. O governo terá tempo para preparar os trabalhadores e os futuros aposentados.”
    Método Macron: governo por decretos
    O método Macron – cada vez mais denunciado pelos opositores como sendo “autoritário” – consiste em negociar ao máximo o texto antes da sua apresentação oficial, que costuma ocorrer sob a forma de decreto enviado ao Parlamento. Desta forma, o presidente evita as longas e calorosas discussões parlamentares sobre os seus projetos e pode avançar com mais rapidez.
    Por outro lado, Macron corre o risco de se desgastar diante da opinião pública, que é reticente ao uso reiterado dessa ferramenta, considerada antidemocrática. O texto é apenas aprovado ou rejeitado, mas não pode ser modificado pelos deputados e senadores.

  • E se os transportes públicos fossem gratuitos nas grandes cidades? A ideia parece insustentável do ponto de vista econômico, mas metrópoles como Paris e Essen, na Alemanha, analisam implantá-la. Na capital francesa, os habitantes com mais de 65 anos e de baixa renda ficarão isentos do pagamento da rede de ônibus e metrôs a partir de junho.
    Na França ou na Alemanha, o principal objetivo do projeto é diminuir a poluição: a medida incitaria os motoristas a deixar os carros em casa e a adotar o transporte público. Na avaliação da prefeita socialista de Paris, Anne Hidalgo, trata-se também de promover mais justiça social, ao viabilizar acesso universal a um serviço que, para muitos, representa um peso considerável no orçamento. Atualmente, o bilhete único mensal na região de Paris custa 75,20 euros.
    “Há pessoas que têm dificuldades de conseguir emprego porque não tem acesso aos transportes. A mobilidade deveria ser considerada um serviço de primeira necessidade”, explica o secretário municipal dos Transportes, Christophe Najdovski. “É uma questão econômica, mas também social, ambiental, humana. Temos que permitir que todos sejam móveis, em especial nas grandes cidades.”


    Resta a questão delicada do financiamento. O transporte público na região parisiense custa € 10 bilhões por ano, dos quais 28% são bancados pelos usuários – ou seja, seriam € 2,8 bilhões a menos para manter e melhorar a rede. A prefeitura parisiense encomendou um estudo sobre o tema para especialistas franceses e estrangeiros, que responderão se é possível ampliar a medida. Ao lado de Paris, a Alemanha estuda a aplicação da gratuidade em cinco cidades do país, como Essen e Bonn.
    Na capital da Estônia, é grátis
    O transporte gratuito já é uma realidade na capital da Estônia, Talin, e em dezenas de cidades do mundo. Nas pequenas, até 200 mil habitantes, muitas prefeituras conseguem proporcionar a gratuidade em toda a rede. É o caso de mais de 30 localidades francesas. Já nas metrópoles, como a capital da Noruega, Oslo, apenas algumas linhas ou certos horários dispensam o pagamento.
    Talin adotou a medida por referendo, em 2013, e afirma ter conseguido compensar a perda financeira com a elevação da arrecadação na zona urbana. A gratuidade dos transportes fez a população crescer 6%, alega a prefeitura.
    Na visão do economista Yves Crozet, especialista em transportes, essa solução é adaptada apenas para as cidades pequenas, com linhas e número de usuários limitados. Nestes casos, a gratuidade chega a sair mais barato, com a economia de custos de venda e controle de passagens.


    Mas, para financiar a medida nas metrópoles, só haveria duas soluções: elevar os impostos ou adotar um pedágio urbano para os veículos, a exemplo de Londres e Estocolmo. No caso da região parisiense, os 4 milhões de carros teriam de pagar cerca de € 60 por mês de pedágio para compensar a gratuidade dos transportes.
    “Em resumo, a gratuidade só faz sentido quando o transporte coletivo é um fracasso, ou seja, quando há muito poucos usuários, como os estudantes, os idosos e os que não têm carro. Mas quando você precisa desenvolver os transportes públicos, investir, evidentemente a gratuidade se torna um problema a longo prazo”, afirma Crozet, professor da Universidade de Lyon.
    Impacto negativo na política de mobilidade
    Apesar de popular, a medida conta com pouco apoio junto a especialistas em mobilidade. O urbanista Frédéric Héran, da Universidade de Lille 1, argumenta que, em vez de incitar os motoristas a abandonar os carros, a proposta induz os ciclistas a aposentar as bicicletas. Depois, são os pedestres que prefeririam andar de ônibus e metrô, em vez de caminhar. Os jovens seriam os primeiros a ceder à “tentação”. Héran chama atenção para o aumento dos custos ligados a um problema de saúde pública: o sedentarismo.
    “O potencial do uso da bicicleta em Paris é gigantesco: apenas 4% dos parisienses usam esse meio de transporte cotidianamente. Transformar o transporte gratuito significaria limitar esse potencial. Seria uma pena”, explica Héran. “Sem contar que hoje as pessoas são cada vez mais sedentárias: se elas pudessem ao menos se exercitar um pouco para ir ao trabalho, seria uma ótima ideia. Mas essa medida faria elas ficarem ainda mais sedentárias – e precisamos promover o contrário.”
    Ampliação da rede ainda mais difícil
    A questão da perda da qualidade também preocupa. Com mais usuários, os custos de manutenção se elevam, ao mesmo tempo em que as receitas, caem. Aumentar a rede se torna uma missão delicada.
    A equação fica ainda mais complexa num momento em que a região parisiense se organiza para investir 50 bilhões de euros em transportes, para ampliar a rede de metrôs nas periferias, dentro do megaprojeto Grand Paris.
    No Brasil, cerca de 15 cidades disponibilizam transporte grátis – a maioria tem no máximo 50 mil habitantes.

  • A diminuição da inflação abriu o caminho para que o Banco Central do Brasil promovesse uma queda histórica da taxa básica de juros. Desde que foi criada, há 19 anos, a Selic nunca esteve tão baixa: está em 6,5% e pode cair ainda mais, um ano depois de atingir o patamar de 14,5%. O novo cenário faz o país perder o desonroso título de economia com os maiores juros reais do mundo – mas, por enquanto, essa mudança ainda não é sentida no bolso do consumidor.
    A médio prazo e numa trajetória constante, a queda dos juros dá mais poder de compra para o consumidor e favorece o acesso ao crédito mais barato, uma boa notícia para quem tem um projeto imobiliário ou pensa em empreender com uma ajuda do banco. Na esfera pública, viabiliza a retomada de obras de grande porte a um custo mais baixo.
    Mas esses efeitos positivos ainda estão distantes, na opinião de economistas consultados pela RFI. A saída da recessão é progressiva e a retomada econômica, frágil. O cenário de incertezas acentuado pelas eleições faz com que o recuo dos juros não seja repassado para os cidadãos.
    “Para que as pessoas consigam realmente perceber a queda dessa taxa, a economia precisa voltar a crescer. Caso contrário, elas sentem esses impactos muito mais indiretamente, como ao perceber que as condições econômicas melhoraram e a taxa de inflação está um pouco menor”, observa a professora de Economia do Insper Juliana Inhasz.
    Inadimplência nas alturas
    Em meio à recessão, as altas taxas de inadimplência endureceram e encareceram as condições de acesso ao crédito no país. Em julho do ano passado, um recorde de 40% de brasileiros estava com o nome sujo no mercado, devido às dívidas não pagas. Nesse período, o nível de desemprego começou a baixar – passou de 12,5% para 11% -, porém num ritmo insuficiente para retomar a confiança dos bancos, explica o professor da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Flávio Fligenspan.  
    “No período mais ruim da economia – do qual estamos recém começando a sair – muitas famílias ficaram inadimplentes e os bancos levam isso em conta na hora de emprestar. Se a inadimplência está alta, eles cobram juros mais altos ainda, para tentar se proteger”, diz o economista. “Como a economia andou muito devagar, os bancos acabaram emprestando muito pouco e cobrando muito dos que pegaram crédito. Esse é o lado ruim de uma notícia boa. Há uma recuperação, sim, que está em pleno vigor, mas esse vigor é frágil.”
    Voltar a gastar com cautela
    O pesquisador André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), comenta que, ao cortar tanto a taxa de juros, a mensagem do Banco Central é dar incentivo para a população voltar a consumir e fazer menos poupança. Para a indústria, o sinal é de que o dinheiro ficará mais barato para a realização de investimentos. Os dois fatores contribuiriam para a retomada econômica.
    No entanto, Braz ressalta que, para o juro baixo se transformar em crescimento da economia, o país primeiro precisará controlar a dívida pública, cujo rombo assusta os investidores.
    “Enquanto a dívida pública não for controlada e não houver um horizonte de medidas que possibilitem essa redução, como seria a reforma trabalhista, e um enxugamento do gasto público, a gente talvez não cresça tão rapidamente”, nota o pesquisador. “Nesse momento, a gente tem somente a política monetária fazendo o dever de casa. Se tivéssemos a política fiscal andando junto com a monetária, tomando medidas que ajudariam a economia a crescer mais rapidamente, teríamos um outro cenário.”
    Juliana Inhasz também insiste nessa questão – a retomada de investimentos em infraestrutura é essencial para consolidar a recuperação econômica, no entanto é preciso muita cautela.
    “Eu acho que é importante, mas o governo precisa saber dosar quais são as frentes nas quais vai atuar. Infraestrutura é um grande problema do Brasil. O governo precisa ser mais efetivo nisso e essa infraestrutura pode, sim, criar grandes espaços para crescimento econômico, mas ao mesmo tempo ele tem de tomar muito cuidado com o tipo de investimentos que faz”, afirma. “Vimos exemplos muito ruins na Copa e nas Olimpíadas. A gente continua com o orçamento muito apertado, mas a sociedade com necessidades cada vez maiores e com deficiências.”
    Neste ponto, os especialistas concordam que as eleições de 2018 representam um foco de tensão: uma virada na política de gastos públicos poderia fazer, rapidamente, os juros voltarem ao patamar de dois dígitos.

  • A aliança inédita entre a gigante do e-commerce Amazon e a rede Monoprix, do grupo varejista francês Casino, marca uma nova etapa do varejo francês em direção ao comércio digital. Desde o ano passado, a plataforma americana tentava se associar a um grande supermercado na França, como já havia feito na Espanha, com o Dia, ou no Reino Unido, com o Morrisons. Agora, a Amazon abocanhou uma parceria com a marca mais prestigiosa do setor, presente em endereços valorizados das grandes cidades do país.
    Com a união, os clientes Amazon Prime Now poderão receber em casa as compras feitas no Monoprix em menos de duas horas, inclusive alimentos frescos. A oferta se encaixa em uma demanda crescente dos consumidores franceses residentes nas metrópoles, que na última década têm deixado de lado os hipermercados e, cada vez mais, têm preferido fazer as compras cotidianas pela internet ou em estabelecimentos menores, nos arredores de casa.
    É por isso que o novo serviço vai atender sobretudo aos clientes urbanos, nota Yolande Piris, economista especialista em varejo e diretora-adjunta do Instituto de Management da Universidade Bretagne Sud. “Para os consumidores como um todo, não muda muito. Mas entre os moradores das metrópoles, há uma demanda clara por esse serviço”, nota. “Constatamos o desenvolvimento rápido do drive, que é uma oferta na qual o consumidor compra pela internet, mas depende do carro para buscar os produtos. Ou seja, é um modelo não muito adaptado às zonas hiperurbanizadas, onde as pessoas evitam o carro. É por isso que o Carrefour também vai lançar a entrega em uma hora, inclusive de produtos frescos.”

    Cansados dos hipermercados
    Outro especialista em varejo, o consultor Olivier Dauvers, concorda que a oferta é segmentada, ao se dirigir principalmente para jovens moradores do coração das metrópoles, que já realizam uma grande parte das compras pelo smartphone. Mas o novo serviço responde a uma insatisfação dos franceses – e dos clientes europeus em geral –, de ter de frequentar o supermercado para buscar os produtos de uso cotidiano.
    “Há categorias de produtos correntes que os consumidores estão preferindo adquirir pela internet, como água, fralda ou leite em pó. Não temos mais vontade de ir até o supermercado para buscar aquilo que precisamos toda a semana”, explica Dauvers. “Nesses casos, o que chamamos de experiência da compra acabou: não tem graça nenhuma enfrentar fila para comprar sempre a mesma marca de água.”
    O economista Philippe Moati, professor da Universidade Paris-Diderot e cofundador do Observatório Sociedade e Consumo (Obsoco), coordenou uma pesquisa que mostrou que os consumidores das metrópoles não faziam questão de uma entrega rápida e, até então, estavam satisfeitos com o prazo habitual de 24 a 48h. Mas ele avalia que, uma vez que a oferta ultrarrápida existir e se mostrar qualificada, os hábitos poderão mudar de uma hora para a outra.
    “Durante muito tempo, pensou-se, equivocadamente, que o comércio digital englobaria todas as áreas, menos a alimentação. Porém a Amazon está nos mostrando que não: até os alimentos frescos poderão ser comprados pela internet, desde que com um modelo diferente do que vimos até agora”, indica. “As coisas estão se acelerando, 20 anos depois de os varejistas entrarem timidamente no ramo digital, mas sem desenvolvê-lo de verdade.”
    "Aliança com o diabo"
    Ou seja, se as líderes do varejo não avançarem rapidamente no setor, poderão ser engolidas pela gigante americana, como aconteceu em tantas outras áreas, como a literatura. Moati nota que, nessa corrida contra o tempo, o Casino escolheu o arriscado caminho de se juntar a uma potencial concorrente.
    “É uma aliança com o diabo. A curto prazo, o Monoprix vai ganhar. Mas quanto mais a Amazon se tornar um ponto de contato obrigatório para o consumidor ter as suas compras rapidamente em casa, mais as lojas se tornarão dependentes da Amazon – e, ao que tudo indica, ela saberá perfeitamente guiar essa dependência”, ressalta o professor.  
    O cofundador do Obsoco lembra que, com a assistente de voz Alexa, a tendência é a Amazon atropelar os varejistas: bastará falar a lista de compras em voz alta para o cliente receber os produtos instantes depois, em casa. No entanto, ele adverte que, com parcerias e serviços como esses, a plataforma americana avança ainda mais na intimidade do perfil dos clientes, com dados detalhados – e valiosos - sobre as compras do dia a dia.