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Os dilemas que se viviam há mil anos são muito semelhantes aos de hoje. É Rui Tavares que o diz em “Agora, agora e mais agora”, o podcast criado durante a pandemia que agora toma a forma de uma colecção de livros. Nela, o autor conta-nos, em conversas, as preocupações de há um milénio, actualizando-as e dando-nos uma nova perspectiva sobre os nossos dias. Neste P24 ouvimos o autor do livro, Rui Tavares.
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Este é o epílogo do podcast “Agora, agora e mais agora” — seis memórias do último milénio (um episódio que pode ser acompanhado por figos, de preferência secos, para quem assim o desejar).
Se entre a nossa primeira, segunda e terceira memória há traços de união, uns fios de seda translúcida, quase transparentes, que antes ignorávamos, e se entre a quarta, quinta e sexta memória — as da emancipação, do ódio e da pergunta do destino humano — há traços de união mais fortes e celebrados, corriqueiramente glosados como sendo os que unem iluminismo a modernidade e contemporaneidade — que ligação há entre a primeira, segunda e terceira memória, por um lado, e a quarta, quinta e sexta memória? Haverá um elo perdido entre a primeira e a segunda metade da nossa história?
A haver, o elo perdido teria de ser Espinosa.
“Agora, agora e mais agora” — seis memórias do último milénio é um podcast de história para tempos de quarentena por Rui Tavares.
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Manglende episoder?
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Esta é a quinta e última conversa da nossa sexta e última memória, intitulada "A Pergunta", dedicada aos direitos humanos.
Este podcast cobre mil anos de história. Mais ou menos. De 950, ano em que morre Al Farabi, até 1948, ano da Declaração Universal de Direitos Humanos — e do 1984 de George Orwell. Vá, mil e setenta e seis se considerarmos o ano de nascimento de Al Farabi, no ano de 872.
Deixamos-lhe um convite: tenha consigo um figo seco quando estiver a ouvir o último episódio — o epílogo deste podcast —, que será publicado nos próximos dias.
Agora, agora e mais agora — seis memórias do último milénio, é um podcast de história para tempos de quarentena. Por Rui Tavares.
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Esta é a quarta conversa da nossa sexta e última memória, intitulada "A Pergunta", dedicada aos direitos humanos.
Seis dias antes de a Declaração Universal de Direitos Humanos ser consagrada no Palais de Chaillot, em Paris, um escritor inglês enviou a versão final do seu novo romance, que ele não sabia que seria o seu último, para o seu editor. O escritor chamava-se George Orwell e o romance chamava-se 1984.
Agora, agora e mais agora — seis memórias do último milénio, é um podcast de história para tempos de quarentena. Por Rui Tavares.
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Esta é a terceira conversa da nossa sexta e última memória, intitulada "A Pergunta", dedicada aos direitos humanos.
Não houve praticamente discussão de direitos humanos na Conferência de Teerão, no fim de 1943, que juntou Roosevelt, Churchill e Stalin, e que conseguiu o acordo deste para fazer parte das Nações Unidas também após a Guerra — ficando de qualquer forma definido que haveria um direito de veto para cada um dos três governos. Dois anos depois, a Conferência de Ialta, no início de 1945, entre os mesmos três homens, foi principalmente dedicada a questões de partilhas, ou seja, de definição de esferas de influência entre cada uma das potências vitoriosas, a que se juntaria depois a China republicana, de Cheng-Kai Shek. Mais tarde, relutantemente, Churchill lá consegue agregar a França de Charles de Gaulle aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, com o mesmo veto que fora prometido antes.
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Esta é a segunda conversa da nossa sexta e última memória, intitulada "A Pergunta", dedicada aos direitos humanos.
As malhas que a ideia dos direitos humanos tece são agora muitas; poderíamos contar uma infinitude de histórias com elas. O rio subterrâneo de que tenho vindo a falar apareceu agora à superfície, mas não julguem que foi num enorme caudal. Os direitos humanos não são, ainda, uma ideia dominante entre as elites políticas e económicas e provavelmente também não entre as massas. A imagem que podemos ter não é a de um enorme estuário de um rio prestes a entrar no mar, mas antes a de inúmeras pequenas correntes num solo seco e crestado, prestes a engoli-las de novo. Ainda assim, à diferença de outras histórias que contámos antes, a ideia de direitos humanos não está agora dependente de apenas uma linhagem. São agora umas centenas, talvez milhares ou, com sorte, milhões de humanos que são capazes de levar essa ideia para a frente.
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Esta é a primeira conversa da nossa sexta e última memória, dedicada aos Direitos Humanos.
Gaetano Salvemini entra no anfiteatro, encara os seus alunos, esboça talvez um sorriso, e diz: “como estávamos a dizer na nossa última aula”. E continua. Como se não tivesse havido nada. Como se o mundo dentro da sala de aula, a aula de história nem mais nem menos, permitisse pôr um parêntesis à volta de tudo o que tinha acontecido. Ou como se o exilado saboreasse, com aquela travessura, a sua sobrevivência sobre os seus carrascos — vejam a pouca importância que vos dou, faço aqui de conta que não tentaram destruir a minha vida, que não existiram sequer. Ou talvez fosse aquela uma demonstração de resiliência e de coragem. Não nos vergaram, é manter a calma e seguir em frente. Pode ter sido tudo isso.
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Esta é a quinta conversa da nossa quinta memória, dedicada ao ódio.
Admito que a ideia que em geral tenhamos do Caso Dreyfus, mesmo quando temos pouca ideia dele, seja mais ou menos a seguinte: um erro judiciário em que um capitão judeu é acusado e condenado por espionagem, num primeiro momento. E um segundo momento em que a verdade vem ao de cima trazida à tona de água por salvadores heróicos como Émile Zola. Assunto esclarecido. Os bons ganharam. Vitória, vitória, acabou-se a história.
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Esta é a quarta conversa da nossa quinta memória, dedicada ao ódio.
O meu problema com Bernard Lazare é que não consigo fazê-lo caber num episódio, nem provavelmente numa memória inteira, nem sequer num livro. Para isso, devo confessá-lo já, o melhor é lerem uma das biografias que lhe foram consagradas, ou por Jean-Cristophe Bredin — que vamos aqui seguir em traços largos — ou por Phillippe Oriol. Mas mesmo depois de tirar uns dias para poder esquecer-me do excesso de leituras sobre ele, para poder resumi-lo ao essencial aqui, eu não consigo pôr Bernard Lazare num só episódio, agora que começamos a aproximar-nos do fim, não tenho outra hipótese senão enfiá-lo mais ou menos à força num episódio apenas.
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Esta é a terceira conversa da nossa quinta memória, dedicada ao ódio.
Houve anti-semitismo antes e depois do Caso Dreyfus mas o anti-semitismo moderno nasce com o Caso Dreyfus. O solo fértil da França revancharde, regado por doses copiosas de ressentimento e vitimização das elites católicas e monárquicas faz germinar este fenómeno. Ele não é, contudo, exclusivo deles. Há que dizer que, mesmo na esquerda republicana, muitos admitem desde logo e sem questionar que Dreyfus será certamente culpado. Políticos como o republicano Clémenceau ou o socialista Jaurès, que mais tarde serão vigorosos dreyfusards, dão nestes primeiros tempos por adquirida a culpabilidade de Dreyfus e lamentam até que a pena de morte tenha sido abolida pois consideram-na inteiramente adequada a este caso.
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Esta é a segunda conversa da nossa quinta memória, dedicada ao ódio.
Até 1870, a França é um império governado por um Napoleão: o Segundo Império e o Imperador é o Luís Napoleão Bonaparte, Napoleão III Imperador dos franceses e sobrinho do Napoleão Bonaparte. Mas o Império perdeu-se por causa de um telegrama. Em 1870, uma troca de mensagens entre o Embaixador de França e o Rei da Prússia é adulterada pelo Chanceler Bismarck de maneira a parecer que o Rei da Prússia se referira ao embaixador francês de forma humilhante. O episódio, em si insignificante, vai excitar o nacionalismo francês e levar Napoleão III a declarar guerra à Prússia. Grave erro. O que era para ser um momento de glória transformou-se numa catástrofe: a França perde rapidamente a guerra e, com ela, as suas Províncias da Alsácia e da Lorena e, finalmente, o próprio império. Humilhação suprema: é em Versalhes que o Rei da Prússia vai ser coroado imperador do Império Alemão.
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Esta é a primeira conversa da nossa quinta memória, dedicada ao ódio.
Léon Daudet era um escritor de algum talento. Mas era um autor que detestava, detestava e detestava. Logo nas primeiras páginas anuncia-se que o autor detesta a democracia. Detesta o parlamento e o parlamentarismo. Detesta a ideia de que a ciência "não tenha pátria nem fronteiras”. Detesta a ideia dos Estados Unidos da Europa (mais sobre isto à frente). Detesta a ideia da igualdade, e a ideia de que “o povo queira igualdade”. Detesta a ideia de que “a democracia seja a paz”. Detesta a ideia de que “a ciência seja boa e que o futuro pertença à ciência”. Detesta a ideia da "instrução laica” e mais ainda a ideia de que “a instrução laica seja a emancipação do povo”. Detesta “a igualdade entre religiões”. Há muitas razões para acreditar que o século XIX tenha sido estúpido, como há muitas razões para encontrar estupidez em todos os séculos da história da humanidade.
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Esta é a quinta conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
No dia 15 de Novembro de 1759 um português pousou a pena com que escrevera em Paris um tratado sobre reformas da educação — tema de actualidade naquele ano, como vimos atrás — a que deu o título de "Cartas sobre a Educação da Mocidade". O homem que escrevia não estava em Portugal, de onde fugira aos 27 anos com medo da Inquisição, e aonde nunca mais voltara. Passou por Londres, onde se converteu brevemente ao judaísmo, religião dos seus antepassados. Foi para a Holanda, onde estudou medicina, e ficou racionalista para o resto da vida. Acabou na Rússia, onde foi médico da czarina Anna Ivanovna. Esteve na Crimeia, onde conviveu com muçulmanos e budistas. Passou pela Prússia a visitar Frederico II. E agora está em Paris, onde tenta sobreviver sem pensão até que Catarina a Grande se lembrará dele e o deixará confortável em rublos até ao fim da vida.
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Esta é a quarta conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
John Stuart Mill é principalmente conhecido como pai do liberalismo clássico do século XIX. Mas antes de o ter sido, foi filho — e afilhado — do utilitarismo iluminista do século XVIII, tendo visto a sua infância sacrificada à mesma organização do tempo que tinha nascido antes com Benjamin Franklin, inspirada numa figura como a de Robinson Crusoe, e que no outro lado do mundo formava mentalidades como a do velho general Bolkonski, aquele que em Guerra e Paz dizia “em verdade vos digo, nunca me aborreci um único dia da minha vida”.
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Esta é a terceira conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
Pelos mesmos dias de outubro e novembro de 1755 em que Benjamin Franklin andava por Filadélfia a tentar convencer a assembleia da Pensilvânia a alterar as políticas radicalmente pacifistas do fundador William Penn, ocorria do outro lado do Atlântico um daqueles acontecimentos de que se diz que “mudam o mundo”. Nove em cada dez vezes, não é verdade. Esta é uma das outras.
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Esta é a segunda conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
No final do século XVII, quase todos os cristãos tinham uma certeza e uns quantos deles tinham uma preocupação. A certeza era a de que o cristianismo era a verdadeira religião. A preocupação era que, nesse caso, se tornava difícil saber qual cristianismo. Se o cristianismo era a verdadeira religião, então por que raio os cristãos estavam num estado de guerra e discórdia permanente entre católicos e protestantes, entre protestantes e protestantes, entre seitas dentro de cada igreja e tendências dentro de cada seita?
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Esta é a primeira conversa da nossa quarta memória, dedicada à emancipação.
Um dia, quando estava mais ou menos a começar a escrever este livro, decidi ir a uma igreja assistir a uma missa. Bem, isto é mentira, não era uma igreja e não era uma missa, mas é maneira mais aproximada que eu tenho de vos explicar. Além disso, eu sou ateu. Mas se fosse religioso acho que estava sempre lá caído para as missas e não só. Se eu não fosse ateu gostaria de ser devoto, do judaísmo ao candomblé. Como não sou religioso, gosto de ser ateu, e gosto de gostar de religiões.
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Esta é a quinta conversa da nossa terceira memória, dedicada à globalização.
Em 1560, um jovem de 21 anos, filho de pai espanhol e de mãe inca, saiu da cidade de Cuzco, nos Andes, e fez os mais de mil quilómetros de montanha e selva que o separavam de Lima, cidade fundada há apenas 25 anos e há menos de 20 anos capital do Vice-Reino do Peru, para poder apanhar um barco para a Europa.
Agora, agora e mais agora — seis memórias do último milénio, é um podcast de história para tempos de quarentena. Por Rui Tavares.
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Esta é a quarta conversa da nossa terceira memória, dedicada à globalização.
Fuga sæculi, o ódio sagrado ao mundo, era um sentimento comum a gente religiosa de várias religiões na transição entre a Idade Média e o Renascimento. Neste episódio veremos como Isaac Abravanel, o judeu, abandonou os seus entusiasmos aristotélicos para se dedicar a estudar uma data para o fim do mundo. Outros odeiam o mundo, detestam-no com uma força tal precisamente por ele não ter ainda acabado e para demonstrarem o seu amor maior pela espiritualidade que há-de vir, desprezando a carnalidade, a corporeidade deste mundo desgraçado em que vivemos.
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Esta é a terceira conversa da nossa terceira memória, dedicada à globalização.
Há 500 anos, por estes dias, um jovem monge alemão enviou para o seu bispo um texto composto por uma série de 95 curtas teses de uma ou duas linhas cada, escritas em latim. Pode ser que tenha também pregado o mesmo texto na porta da Igreja de Todos os Santos em Wittenberg, no dia 31 de Outubro de 1517, dando assim início à Reforma Protestante.
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