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  • Criada em 2014, a associação Robots!, com sede em Nantes, no oeste da França, promove ateliês para ajudar as crianças autistas a socializarem. Um desafio possível graças à utilização do robô NAO, um humanoide criado em 2007 pela empresa japonesa Softbank Robotics, pode ser programado para dançar, cantar, conversar e exprimir emoções.
    Do alto de seus 57 centímetros, o robô NAO nos recebe na sede da associação francesa acompanhado do fonoaudiólogo francês Rénald Gaboriau. O local, um antigo prédio de um quartel da cidade, foi cedido pela prefeitura para o especialista.
    O projeto que ajuda crianças autistas começou há quatro anos, fruto de um trabalho conjunto entre o Centro de Psicoterapia para crianças do hospital da cidade e da associação Robots!, que milita para democratizar o acesso à robótica e à inteligência artificial.
    Gaboriau conta com o know-how da especialista em robótica Sophie Sakka, da escola de engenharia de Nantes. No início, ela conta que os profissionais da área da saúde estavam reticentes em usar o robô para tratar a doença. Para a engenheira em robótica, seu desconhecimento da patologia era o principal empecilho para levar o projeto adiante.
    “Minha apreensão era em relação ao autismo. Eu não conhecia nada sobre essa condição. Já os profissionais tinham essa apreensão em relação ao robô. Começamos então a treiná-los. Foram dois dias de formação. Eles perceberam que NAO era acessível e até mesmo limitado. Não um todo-poderoso. Não estamos em um filme de ficção científica" explica. "Os especialistas viram que era possível adquirir competências em uma área diferente da que atuavam em seu cotidiano”, ressalta Sophie Sakka.
    A primeira experiência, em 2014, envolveu seis adolescentes autistas, que foram apresentados a três robôs. No decorrer dos ateliês, eles aprenderam a programar o humanoide para que fizesse gestos ou identificasse palavras, contasse uma história e até mesmo gravasse a voz dos jovens. Um desafio para pacientes com autismo, doença que compromete a capacidade de comunicação e interação social.
    A associação propõe vinte sessões anuais, que duram um ano. Elas devem respeitar o anonimato das crianças, que não podem ser filmadas ou fotografadas. Nesse tempo, os adolescentes preparam um espetáculo de final de ano, o resultado de tudo que aprenderam no período.
    Revelando emoções
    Um dos textos utilizados para essa demonstração é “Uma História para Quatro Vozes”, do escritor Anthony Browne, sobre um cão perdido. O tema, diz, ajuda os jovens a expressarem suas emoções e encontrar soluções práticas para certos dilemas que se apresentam. “Tem uma hora, por exemplo, que o personagem está decepcionado. Como ele vai demonstrar essa emoção, já que o robô não tem maxilar, por exemplo? Eles precisam encontrar um jeito de mostrar essa decepção para o espectador”, explica Renalde Gaboriau.
    Segundo o fonoaudiólogo, rapidamente, os jovens começaram a utilizar o robô para falarem deles mesmos, inventar uma outra vida, como se NAO fosse uma espécie de fantoche. “É um objeto lúdico, que gera confiança e com quem dá vontade de interagir”, explica Rénald Gaboriau. “Ele não questiona, não julga, mas, ao mesmo tempo, os adolescentes sabem que se trata de uma ferramenta”, declara. Para os pais das crianças, o progresso é evidente: elas se expressam mais e e melhor e estão mais confiantes.
    “Temos o retorno das famílias, das escolas, de todas as pessoas que convivem com os jovens. Temos um método de avaliação para ver como eles evoluem. Percebemos que, ao longo do tempo, eles conseguem construir algo juntos, que têm uma relação com a situação proposta, e que, aos poucos, acabam atribuindo intenções aos outros”, conta.
    Antes fechadas em seu mundo, as crianças mudam e acabam se abrindo mais aos outros, afirma o representante da associação. “Em nossa experiência, os adolescentes também aceitam estar em um grupo, o que para eles às vezes é muito complicado em função da condição, mesmo fora da escola”, diz.
    Para dar continuidade aos progressos, Rénald Gaboriau propõe aos pais dos pacientes um segundo ano de ateliê, onde os jovens podem criar suas próprias histórias em vez de apenas contá-las através do robô. “É um exercicio ainda mais complexo. Inventar uma narrativa, coerente, coesa, e que os outros precisam entender. Guiamos nesse caminho em direção ao outro.”
    Diante do sucesso da terapia, o projeto cresceu, ganhou vida própria e hoje está desvinculado do hospital francês. Os jovens também ganharam mais confiança. Alguns deles, que devido ao problema não podiam ir à escola, criaram laços afetivos com seus companheiros de ateliês. Outros, diz o fonoaudiólogo, mostram uma verdadeira aptidão para a programação e devem seguir carreira na área.

  • O QI dos humanos está diminuindo, mostram diversos estudos. O mais emblemático deles é a pesquisa publicada pelos cientistas finlandês Edward Dutton e o britânico Richard Lynn, em 2015, na revista Intelligence. Ela confirma a queda do QI, a partir do ano 2000, em países como a França, Noruega, Reino Unido e Finlândia.

    A bióloga do instituto francês CNRS Barbara Demeneix confirma essa tese. Autora do livro “Coquetel Toxico – como os perturbadores endócrinos envenenam o cérebro ”, ela explica como essas substâncias têm um efeito negativo nas funções cognitivas.
    Em abril deste ano, a cientista, que também dirige um laboratório no Museu de Historia Natural de Paris, concedeu uma longa entrevista à RFI. Segundo ela, os produtos químicos presentes em nosso meio ambiente interferem no funcionamento de uma principais reguladores do desenvolvimento cerebral: o hormônio da tireoide. Essas moléculas, que contêm cloro, bromo ou fluor, podem limitar a absorção do iodo, essencial para o funcionamento da glândula.
    As substâncias estão em toda parte: nos alimentos, no ar, nas roupas, nos cosméticos, nos detergentes e nos brinquedos. Áreas urbanas e rurais de países ricos, pobres e emergentes estão expostos a esse bombardeio químico. Até mesmo ursos polares, na longínqua Antártida, que respiram o ar contaminado, são vítimas de seus efeitos.
    Segundo Barbara Demeneix, cerca de 143 mil produtos presentes no mercado não foram testados corretamente. Além disso, desde os anos 60, a quantidade deles aumentou 300 vezes. Essa mistura de elementos produzidos pela indústria vai prejudicar a troca de informações entre as células e induzir reações colaterais.
    Em seu livro, a pesquisadora de origem britânica destaca que os chamados perturbadores endócrinos prejudicam a saúde dos adultos, mas, para os fetos, eles são ainda mais nefastos. Esses efeitos, diz a cientista, foram atestados em diversos estudos e são corroborados por centenas de endocrinologistas no mundo todo. “Somos muitos a dizer as mesmas coisas e a afirmar: há um problema”, ressalta a pesquisadora.
    Onde a baixa do QI no humano entra neste contexto? O TSH, hormônio estimulador da tireoide, fundamental para o desenvolvimento cerebral, depende do iodo, cuja absorção é modificada por algumas substâncias químicas. Entre elas, estão os ftalatos, presentes em plásticos moles, retardadores de chamas de materiais bromados inflamáveis, existentes em aparelhos eletrônicos, pesticidas e parabenos, usados em cosméticos, entre outros.
    As crianças, explica Barbara Demeneix, são expostas desde a concepção a esses produtos consumidos pela futura mãe. “A organização do cérebro da criança que vai nascer será alterada. Esse efeito nos pudemos demonstrar com centenas de substâncias. Constatamos que o cérebro de uma criança exposta dentro do útero a certos pesticidas terá menos neurônios do que um outro”, diz a pesquisadora.
    Aumento de casos de autismo
    A relação entre essas substâncias e o autismo também é um objeto de estudos pelos cientistas. A deficiência do hormônio tireoidiano na gravidez aumenta os riscos do autismo na criança. Presentes no líquido amniótico, que envolve a placenta, os perturbadores endócrinos podem influenciar essa futura condição cerebral, explica a cientista de origem britânica.
    Esta hipótese, ainda que não tenha sido oficialmente confirmada, é mais do que plausível, ressalta Barbara Demeneix. “Os pediatras e as pessoas que cuidam dessas crianças estão convencidos. Já a industria, e a as pessoas que trabalham para ela, são outra conversa”, ironiza. O grande perigo, lembra Demeneix, é a exposição a um coquetel de elementos químicos nocivos, como ela descreve em seu livro.
    “A criança, na concepção, é exposta a uma mistura de substâncias. Medimos a quantidade dessas substâncias em gravidas nos Estados Unidos e na França. Há dezenas, às vezes centenas de produtos químicos presentes no sangue e que passam no líquido amniótico”, diz a cientista.
    Em seu laboratório, ela testou o efeito dos agentes químicos. A pesquisadora e sua equipe expuseram girinos, que também dependem do hormônio tireoidiano para crescer, a 15 substâncias usadas pela maior parte das pessoas no dia a dia – e encontradas no sangue das mulheres gravidas.
    Em seguida, a equipe injetou esse coquetel químico nos girinos. “O desenvolvimento do cérebro foi alterado, assim como a sincronização dos hormônios tireoidianos, o número de neurônios e de células da glia (que cercam os neurotransmissores) diminuiu e houve mudança no comportamento dos animais”, diz a pesquisadora.
    Segundo ela, quando um modelo testado em animais apresenta esses resultados, é possível constatar que as substâncias, alterando o funcionamento da tireoide, alteram também o cérebro humano. O cavalo de batalha dos cientistas, agora, é que os estudos, no futuro, levem a uma regulamentação mais rigorosa que proteja a saúde dos consumidores.
    Enquanto isso, os efeitos do coquetel toxico, podem ser minimizados com algumas medidas, diz a pesquisadora do instituto francês: prestar atenção à composição dos cosméticos, limitar o uso o plástico na cozinha, tomar bebidas quentes em xicaras de vidro ou cerâmica, arejar a casa, comer alimentos orgânicos e desligar todos os aparelhos eletrônicos durante a noite.
     

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  • O infarto é a primeira causa de mortalidade de mulheres no mundo. Durante muito tempo, os cientistas acreditaram, entretanto, que os hormônios protegiam as pacientes mais jovens, que ainda não tinham entrado na menopausa. Segundo a SFC (Sociedade Francesa de Cardiologia, em tradução livre), estudos mais recentes mostraram que o número de vítimas abaixo dos 50 anos era bem maior do que se imaginava – cerca de 25% do total de ataques.

    O infarto mata hoje mais mulheres do que o câncer de mama. As pacientes têm sintomas diferentes dos homens e, numa idade em que normalmente estão ocupadas com o trabalho e a rotina da família, minimizam os sinais: indigestão, dificuldades para respirar, cansaço e fraqueza. Quando se dão conta da gravidade do problema, pode ser tarde demais. O que em parte explica que a taxa de mortalidade seja também bem maior entre as mulheres.
    A rapidez no atendimento é crucial, diz a especialista francesa Martine Gilard, presidente da Sociedade Francesa de Cardiologia, um dos organismos na França que pesquisa o problema. “Se desobstruímos a artéria coronária rapidamente, a parte do músculo destruída será pequena. Se a intervenção é tardia, o músculo será mais afetado. Por isso o infarto é uma emergência”, explica. O pronto-atendimento vai limitar o número de células cardíacas afetadas e diminuir as sequelas.
    A prevenção do infarto nas mulheres também é uma questão cultural. Em um mundo dominado pelos homens, as queixas femininas são levadas menos a sério, diz a cardiologista. “Tem que educar a população. Dizer: fique alerta! Se sua mulher reclamar de dor no peito, pode ser um infarto. E não responder: “não é nada, vai deitar um pouco, você esta estressada”, exemplifica.
    A sobrecarga mental e doméstica também aumenta o risco de um novo ataque nas mulheres, ressalta. Isso porque as pacientes ativas que sofreram um infarto, numa proporção bem maior do que os homens, diz a especialista, não fazem a reeducação de maneira correta.
    “A mulher, quando é jovem, tem seus filhos, tem sua vida de família. E comum ela vai se recusar a ir no centro de reeducação, porque, além do trabalho, tem sua segunda vida: cuidar da faxina, das crianças e da família. Percebemos que os homens fazem a reeducação, mas as mulheres, com frequência, não. Consequentemente, elas têm menos acompanhamento e podem enfartar novamente”, diz a cardiologista.
    Os riscos, como a maioria das pessoas sabe, inclui sobrepeso, tabagismo, hereditariedade, falta de atividade física e stress. Uma junção de fatores que pode ser fatal se as mulheres ainda incluem nesse pacote os anticoncepcionais. Principalmente aqueles que contêm estrogênio e favorecem a trombose – formação de coágulos na corrente sanguínea.
    Stress pode provocar infarto sem outros fatores de risco
    O stress isoladamente também pode provocar um infarto, explica a médica francesa, mas este tipo incidente é bem mais raro e corresponde a apenas 1% dos casos – que atingem principalmente mulheres.
    Em geral, não há destruição das células coronárias, que voltam ao normal depois de sofrer um “colapso” temporário. Mas esse tipo de ataque também necessita cuidados imediatos, porque também pode matar, sublinha a cardiologista francesa.
    A gerente de joalheria paulistana Ligia Folco levou um susto quando, em 2010, aos 42 anos, teve um ataque do coração. Na época, ela estava em boa forma, tinha uma alimentação regrada, corria diariamente e não tinha fatores de risco, mas levava uma vida profissional corrida.
    O infarto, acreditam seus médicos, foi causado pelo stress. Ela estava em casa e começou a sentir uma indigestão, acompanhada de uma estranha sensação no peito. “Era como se uma pata de elefante estivesse em cima de mim”, descreve. Passou a noite sem conseguir dormir e no dia seguinte sentiu fraqueza nos membros. “Percebi que alguma coisa estava errada e pedi à minha mãe que me levasse ao hospital”. Era um infarto.
    Depois de três dias na UTI e um cateterismo, Ligia ficou sem sequelas e leva uma vida normal. Mas mudou a maneira de encarar a rotina. “Fiquei bem assustada”, diz. “Comecei a dar valor para as coisas que realmente têm valor. Às vezes a gente se desgasta com bobagens. Aprendi a respirar mais e olhar as coisas com mais calma”, diz. “Era muito agitada. Quando eu trabalho, fico muito envolvida e a mil por hora”, descreve.
    A Fundação Coeur et Recherche (Coração e Pesquisa) está financiando um projeto de pesquisa para entender a progressão deste tipo de infarto em jovens mulheres.
     

  • A associação francesa Aides lançou, no início de julho, a campanha Prep 4 Love ("Preparado para o amor"). O objetivo é distribuir, para grupos considerados de risco, um medicamento que bloqueia a transmissão do vírus HIV caso haja contato com uma pessoa contaminada.

    A campanha da associação francesa traz fotos chamativas de casais homossexuais e heterossexuais, que podem ser vistas em cartazes espalhados pelas ruas e estações de metrô e ônibus de Paris. Inspirando-se em uma iniciativa similar realizada na cidade americana de Chicago, a Aides espera derrubar o tabu existente em torno do vírus e suas formas de transmissão. Mais de 36 milhões de pessoas são portadoras do HIV no mundo, segundo dados da ONU divulgados em 2016.
    Respondendo a críticas sobre o teor das imagens usadas nos outdoors, a porta-voz da associação, Camille Spire, afirma que a ideia não é incitar o sexo sem camisinha, mas apresentar uma alternativa de proteção. “A mensagem deve ser clara e a reação é normal. Quando os preservativos começaram a ser distribuídos gratuitamente nos anos 80, as pessoas diziam que isso iria estimular a depravação”, exemplifica Camille.
    O uso preventivo da molécula anti-HIV, que existe desde 2004, foi aprovado em 2012 pela FDA, a agência que regula remédios e alimentos nos EUA. Nessa época, os cientistas descobriram que o Truvada, nome comercial do medicamento, pode ser usado no cotidiano para bloquear a replicação do vírus em células saudáveis. Um comprimido por dia, como mostra campanha da associação francesa, é suficiente para impedir a infecção durante uma relação sexual com um soropositivo.
    Atualmente, cerca de 7 mil pessoas utilizam a profilaxia na França, autorizada há 18 meses no país. “São muitas pessoas, mas o número não é suficiente para impactar a epidemia”, lembra Camille. Entre 300 e 400 novos pacientes aderem ao tratamento mensalmente.

    Aproximadamente 97% dos usuários são homossexuais, “bem inseridos socialmente” e preocupados com a saúde.Este é o caso do estudante francês Thibault Frayer, 28 anos,que aderiu ao uso do retroviral para prevenir contaminações. Ele começou a utilizar o medicamento há aproximadamente três anos, durante a participação de um estudo sobre a molécula.
    Esta pesquisa, diz, validou a eficácia do uso eventual do remédio na prevenção. “Uso camisinha na maioria das minhas relações, mas sempre pode acontecer, com alguns parceiros, que ela seja esquecida, ou que nenhum dos dois tenha um preservativo na hora”, diz. Consciente do risco que ele corria e da ansiedade que isso podia gerar, Thibault, diz que se sentia “culpado” por manter relações sem proteção. Ele então optou pelo tratamento, que no seu caso, não é diário.
    “Podemos tomar dois comprimidos de uma vez e duas horas depois a proteção é total. Mas também é possível prolongar essa proteção. Por exemplo, se eu tiro uma semana de férias pode acontecer um monte de coisa e vou tomar todos os dias. Mas se eu estiver trabalhando muito, por exemplo, sem tempo, neste caso eu não vou tomar o comprimido”, explica.
    Menos de 1% das mulheres utilizam o método, lamenta a representante da associação francesa. “A recomendação do tratamento hoje é para homens que tenham relações sexuais com outros homens, pessoas que nasceram em países da Africa subsariana, profissionais do sexo e transsexuais”, explica. Camille Spire sublinha a importância do tratamento para mulheres cujos parceiros se recusam a usar o preservativo.
    “A ideia não é “vamos todos parar de usar a camisinha e trocar pela Prep”. Não é nada disso. Mas na maioria dos casos, o comprimido é adotado pelas pessoas que não querem utilizar o preservativo, ou que o colocam às vezes, mas não o tempo todo”, explica. A porta-voz da Aides lembra que, por diversas razões, em algumas ocasiões a camisinha será esquecida durante uma relação. Por isso a existência de meios complementares de proteção é fundamental.
    Acompanhamento
    O comprimido que previne a infecção reúne dois retrovirais, o tenofovir e a emtricitabina para uma prevenção a longo prazo deve ser tomado diariamente, no mesmo horário. O uso medicamento não exclui a camisinha e o contraceptivo para evitar outras doenças sexualmente transmissíveis e uma gravidez indesejada.
    Como toda substância, pode gerar efeitos colaterais. Por isso é importante um acompanhamento trimestral, que serve também para despistar outras doenças e verificar que o remédio vem sendo utilizado corretamente.
    Para a representante da associação francesa, o que falta agora é mais abertura por parte da comunidade médica na adoção do dispositivo e investimento na orientação de certas categorias da população, como os transsexuais. Um estudo divulgado em 2016 mostra que o uso preventivo do retroviral poderia ter evitado 92% das novas contaminações.
     

  • Conheça o trabalho da start-up francesa Handy Bionic, precursora das proteses sob medidas "made in France". Os equipamentos pouco a pouco se transformam em acessórios e ajudam na integração social de deficientes.

    Como viver normalmente sendo deficiente físico ou portador de uma doença crônica visível, como no caso do diabetes, que obriga os pacientes a tomar injeções de insulina em público? Para crianças e adultos que precisam usar equipamentos, próteses ou medicamentos que exigem a adoção de um dispositivo, o fato de ser diferente pode trazer problemas sociais, de aprendizado e de autoestima. Além disso, essas dificuldades podem comprometer o tratamento.
    Visando esse público, o mercado do design voltado para a saúde aos poucos se desenvolve na França e em outros países. O consumidor, exigente, se assume cada vez mais. Nas últimas décadas, os óculos se transformaram em acessórios de moda. As bombas de insulina ganharam uma versão miniatura e os gessos brilham no escuro.
    Agora, são as próteses que substituem braços e pernas são customizadas em função da personalidade e dos desejos do paciente. Isso graças à emergência da impressão 3D, que reproduz com precisão um membro amputado e que revolucionou o trabalho dos protesistas.
    A start-up francesa Handy Bionic, fundada em 2012 e dirigida por Guillaume Bonifas, é uma das pioneiras do setor. No local, situado no 14° distrito de Paris, ele fabrica principalmente mãos biônicas sob medida. Elas podem ser discretas ou coloridas, ou fazer referências a personagens ou super-heróis, no caso de crianças, por exemplo. Segundo o ortesista francês, a internet teve um papel fundamental no desenvolvimento do mercado das próteses customizadas.
    “Há fóruns onde os pacientes se encontram para discutir e há ideias que emergem. Paralelamente, surgiu a impressora 3D e muitos laboratórios de inovação digital, que passaram a ser frequentados por pacientes que não encontravam o que queriam consultando os profissionais existentes. Isso permitiu a emergência de uma atividade de fabricação de próteses diferentes.”

    Apropriar-se da diferença e transformar o aparelho quase em um acessório, como no caso dos óculos, tornou-se então uma evidência, explica Bonifas.
    “Trabalho na área desde os anos 2000, e rapidamente, em contato com os pacientes, percebi a diferença de personalidade entre eles. Alguns preferem a discrição e a sobriedade. Outros querem afirmar sua diferença através de sua vivência e deficiência, de maneira positiva, utilizado uma prótese que vai valorizá-las”, diz Guillaume Bonifas, que logo compreendeu que precisava oferecer as duas opções aos clientes.
    Desta forma o equipamento, ressalta, deixa de ser um dispositivo médico para se transformar em um objeto do cotidiano. Essa relação com a prótese traz benefícios psicológicos, como no caso das crianças que usam membros biônicos. De acordo com o ortesista, a associação E-nable.fr, que fornece gratuitamente próteses robotizadas coloridas para crianças, investiu mais no bem-estar mental do que na sofisticação do equipamento, com sucesso.
    “São próteses coloridas, que se mexem. Parecem com um brinquedo, aliás são até um pouco frágeis. Mas ajudam muito na integração social da criança. Quando ela vai para a escola com uma mão dessas, de super-herói, é muito valorizador”.
    Especialista da mão
    A empresa Handy Bionic, como o próprio nome diz, é especializada nas próteses que substituem as mãos total ou parcialmente. Elas são idênticas a uma mão de verdade, não só visualmente, mas também na textura. Os materiais utilizados são silicone e fibra de carbono e o aparelho é fabricado manualmente pela equipe do protesista, que o faz sob medida.

    Ela deve ser customizada para o paciente, que a testa diversas vezes antes de adotá-la no dia a dia. Em alguns casos, essa fase de testes pode durar até um ano. A start-up francesa também fabrica, por exemplo, acessórios que possibilitam a uma pessoa que perdeu uma mão surfar utilizando um aparelho que lembra uma pequena nadadeira.
    O empresário também lembra que os atletas paralímpicos contribuem para a popularização do uso das próteses. Guillaume Bonifas cita, por exemplo, Viktoria Modesta, uma cantora e modelo profissional da Letônia que teve a perna esquerda amputada do joelho esquerdo para baixo e utiliza “próteses extraordinárias”.
    Ele lembra, entretanto, que tudo tem um custo, e que o equipamento customizado equivale "a uma peça de roupa de alta-costura". Para se ter uma ideia, na França, o preço de uma prótese comum feita sob medida chega a € 40 mil – reembolsado em sua totalidade pela Seguridade Social. Mas esse valor pode subir dependendo dos materiais e da customização.

  • A médica francesa Magali Bodon-Bruzel é chefe do setor de psiquiatria da penitenciária de Fresnes, na região parisiense, onde estão detidos condenados por crimes graves. Psicopatas, estupradores e pedófilos, mas também suas vítimas, fazem parte do cotidiano da especialista, que ensina a esses agressores, depois de libertados, a controlar seus impulsos. Ela detalha essa experiência em seu livro “Sex Crimes”, lançado recentemente na França.

    Se você acredita que mesmo o pior dos homens, que cometeu atos imperdoáveis, deveria, na melhor das hipóteses, passar o resto da vida na cadeia ou ser afastado definitivamente da sociedade, é melhor parar de ler esse texto. Na França, na maior parte dos casos, todos têm uma segunda oportunidade de voltar a viver normalmente, depois de cumprirem suas penas. Isso mesmo em caso de estupros, abuso sexual em crianças ou outros crimes ignóbeis. Globalmente, o sistema aposta na reinserção social.
    Baseando-se nessa premissa, a psiquiatra Magali Bodon-Bruzel, que há 20 anos atua na prisão de segurança máxima de Fresnes, na região parisiense, desenvolveu um método para ajudar predadores sexuais a se controlarem depois de libertados – em geral, o encarceramento, sem homicídio, não ultrapassa dez anos.
    Nas terapias coletivas, que existem há uma década, a especialista faz com que os criminosos aprendam a decodificar suas emoções, sentimentos e evitar situações que os levem a cometer novos crimes. A tomada de consciência da gravidade do ato e a empatia pela vítima são os dois elementos essenciais no caminho da “cura”, descreve a psiquiatra. Em alguns casos mais graves, explica, uma castração química temporária associada à psicoterapia é necessária.
    Os resultados são positivos, embora o risco de uma recaída nunca possa ser definitivamente descartado. Um dos casos mais emblemáticos citados no livro é o de um jovem que estuprou 21 mulheres e teve “alta” da equipe médica, depois de um longo trabalho de psicoterapia. Ele está livre há vários anos e não cometeu outros delitos que tenham chegado ao conhecimento da polícia. A psiquiatra francesa concedeu essa entrevista exclusiva à RFI Brasil e falou sobre sua visão em relação aos criminosos e seus crimes.
    RFI – Quem são esses criminosos?
    São pessoas que vêm por vontade própria se isolar em um dos pavilhões da prisão, onde existem 12 celas individuais, reservadas aos presos que aceitam o tratamento e participar da terapia durante seis meses, em grupo.
    RFI – Como é o tratamento?
    Vários psiquiatras participam do programa, além de dois psicólogos. Um psiquiatra é responsável pelo tratamento individual. Também há três enfermeiras especializadas. O trabalho é diário e cada terapeuta tem um papel específico. O psicólogo criminal, por exemplo, trabalha na prevenção da reincidência: como identificar o encadeamento de fatores que levam ao delito, e como interromper essa reação em cadeia. A ideia é ajudar os agressores a parar no momento em que eles percebem que suas ações vão conduzi-los ao crime. No meu caso, tenho grupos de educação terapêutica, onde trabalhamos a emoção e a gestão das emoções, além da questão do vício, que frequentemente está presente nesses crimes. Trabalhamos também a impulsividade e as chamadas “distorções cognitivas”: são crenças permissivas, que surgem a partir de histórias inventadas para si mesmo pelo próprio agressor para legitimar e justificar certos atos. Por exemplo: “a vítima não dirá nada”, ou “ela ou ele estão gostando”, ou “é só de vez em quando”, ou ainda “ele não vai se lembrar, ainda é muito pequeno”. Em seis meses, abordamos todo tipo de elemento que leva os criminosos a cometerem esses atos. Queremos que eles percebam e desenvolvam estratégias para evitar o crime. Paralelamente, seus problemas pessoais serão abordados e poderão dar um sentido ao que aconteceu, como a imagem da mãe e a representação feminina ou das crianças, além de sua própria infância. Muitas vezes, ele mesmo foi vítima.
    RFI – Existe uma estatística sobre quantos dos presos que seguiram o tratamento cometeram novos crimes?
    Não podemos prever se o condenado vai reincidir ou não. Só tendo uma bola de cristal. Sendo cientista, temos uma gestão do risco, se ele ainda existe, diminuiu ou é idêntico. Um risco é uma percentagem. Mesmo que exista 80% de risco de recaída, sempre podemos cair nos 10% restantes. E importante compreender isso. E uma maneira moderna de avaliar o risco de recidiva. Quais são os resultados? Tentamos identificar diferenças entre o antes e o depois do tratamento. Aplicamos testes sobre o nível de empatia, depressão, autoconfiança. De uma maneira geral, os pacientes estão menos deprimidos, exceto pedófilos que não cometeram incesto, com pelo menos uma vítima masculina. Em relação à recidiva, é impossível prever, porque os pacientes não ficam em Fresnes e não acompanhamos sua ficha policial. Para ter certeza dos resultados, precisaríamos aplicar a mesma terapia em pessoas que não cometeram crimes e avaliar a diferença. É impossível de realizar, mas estamos avaliando.
    RFI - O caso da menina Angélique, estuprada e assassinada por um predador sexual que trabalhava como motorista de ônibus em uma pequena cidade onde ninguém conhecia seu passado, chocou a França. Esse passado deve se manter anônimo, na sua opinião, depois que o criminoso cumpriu a pena? Não é muito arriscado?
    É preciso entender que muitas pessoas cometem delitos e crimes. Muitas são encarceradas, outras não, e quase todas saem da prisão. O sistema é assim. Todas essas pessoas, incluindo os criminosos sexuais, depois de liberados, têm um acompanhamento. Será que temos que informar as pessoas próximas sobre o crime cometido e o passado judiciário? Não tenho opinião. Não faz parte da cultura francesa. Temos que comparar também as taxas de reincidência. Elas são menores nos crimes sexuais se comparamos às de outros crimes.
    RFI - Um caso é especialmente intrigante em seu livro, o de um jovem que estuprou 21 mulheres, hoje está livre e vive normalmente. Como é possível?
    Não é surpreendente. Do ponto de vista do sensacional, jornalístico, apresentamos um personagem e, a partir daí, a pessoa só tem essa faceta. Alguém que estupra 21 pessoas é um monstro, ponto final. Clinicamente, e isso é que torna meu trabalho e o da minha equipe apaixonante, é constatar que as coisas não são tão simples assim. Em um determinado período, a pessoa pode estar muito mal. Esse é um caso que eu tentei destrinchar. Era alguém inteligente, e percebi que uma parte dele era capaz dessa alteridade, dessa negação da violência, que ficou reprimida diante de uma história pessoal dramática. Ele tomou consciência de seus atos e mudou depois da terapia. Nesse caso, o próprio juiz encarregado da aplicação de penas me solicitou para uma perícia psiquiátrica, dizendo ter a impressão de que esse jovem tinha melhorado muito e o acompanhamento poderia ser diminuído. Confirmei sua impressão, de que o risco de recidiva era muito baixo. Eu o vi há alguns anos e não tive mais notícias.
    RFI – Em um trecho livro você diz que, em certas ocasiões, se “conformou em aceitar o mistério do mal”…
    A grande maioria das pessoas que cometeram esses atos não são doentes mentais, não são loucos. Tenho tendência a acreditar que uma parte dessa pessoa, mesmo ínfima, é acessível à humanidade. Que uma parte, ainda que pequena, tem compaixão, empatia. Que não é todo o ser dela que está mobilizado em um ato que visa destruir o outro e negar a alteridade. Mas já encontrei pessoas nas quais o respeito e a consideração pelo outro são inexistentes. Pelo menos no momento em que eu as examinei. Esses pacientes parecem estar inteiramente mergulhados em sua subjetividade.
    RFI - Esse mal se refere, então, a psicopatas?
    Sim, e esse é todo o mistério da psicopatia. Como é possível ignorar o sofrimento alheio dessa forma? Ignorar esse sofrimento em alguns momentos, ou colocar essa questão de lado, isso pode acontecer, e é isso que trabalhamos com a maioria dos detentos.
    RFI - No Brasil, os criminosos sexuais são atacados prisão, vítimas de estupro e morte. Esse “código de honra” existe nas prisões francesas?
    Isso continua, embora aconteça menos do que antes. Há cerca de dez anos, os criminosos sexuais, chamados de “pointeur” (sinônimo de estuprador) na linguagem dos detentos, eram perseguidos pelos outros prisioneiros, agredidos, estuprados. Isso continua. Um pai ou avô que cometeu incesto, quando chega na prisão, não tem o perfil de um detento. Rapidamente eles percebem que se trata de um agressor sexual e não de um delinquente. Os carcereiros aconselham a não contar para ninguém na prisão a razão da detenção. Essas perseguições continuam.

  • Para lutar contra o melanoma, uma das formas mais graves e fatais do câncer de pele, o Sindicato Nacional dos Dermatologistas da França promoveu uma semana de despistagem nos consultórios, gratuitamente, entre os dias 14 e 18 de maio. O objetivo foi fazer um diagnóstico precoce e evitar que a doença atinja um estado incurável.

    Nesta quinta-feira (17) nublada em Paris, a dermatologista francesa Claire Geoffray se levantou cedo para receber em seu consultório, situado no 17° distrito da capital francesa, 15 pessoas em apenas três horas. As consultas, gratuitas, vão durar toda a manhã e visam detectar uma possível lesão maligna na pele dos pacientes, que começam a chegar às 8h30 e lotam a sala de espera. A médica participa de uma campanha nacional, que já existe há 20 anos, com o objetivo de sensibilizar a população para o risco de câncer. As consultas acontecem também em centros de saúde e são realizadas por outros médicos voluntários que participam da ação.
    Entre dois pacientes, a dermatologista francesa respondeu às perguntas da RFI Brasil. Ela explica, por exemplo, que um jardineiro corre um risco muito maior de desenvolver um melanoma, a forma mais agressiva do câncer de pele, do que um executivo que passa seus dias fechado em um escritório. O risco de ter um câncer de pele não é necessariamente visível. Sem sintomas, ou com lesões banais, o paciente muitas vezes não procura ajuda médica.
    “Nosso objetivo com essa campanha é sensibilizar as pessoas que sempre estão debaixo do sol e não enxergam suas lesões. Queremos que elas marquem uma consulta e sejam examinadas. Um homem, por exemplo, na maior parte do tempo desenvolve lesões nas costas. Se ele nunca consulta um clinico-geral ou ninguém repara em suas costas, ele pode desenvolver um melanoma sem se dar conta”, explica a médica francesa. Em seu estágio inicial, o câncer pode ser curado em 95% dos casos.
    Apesar de a França enfrentar todos os anos invernos rigorosos, com longos períodos de pouca luz, cerca de 80 mil franceses desenvolvem tumores que atingem a pele e provocam o crescimento anormal de suas células. Esse tipo de tumor mata cerca de 1500 franceses por ano, índice comparado ao número de vítimas fatais nas estradas. Os casos triplicaram entre 1982 e 2012. O câncer de pele, contrariamente a muitos outros, também depende pouco da propensão genética e atinge principalmente pessoas que se expuseram excessivamente à luz solar e aos chamados raios ultravioletas.

    Lévanah Aroche mora perto consultório da dermatologista Claire Geoffray e marcou uma consulta para verificar se corre risco. Foi uma das primeiras pacientes a entrar no consultório. Ela conta que tem muitas pintas espalhadas pelo corpo e, aos 52 anos, nunca tinha sido examinada por um dermatologista.
    “Já estava na hora. Todo mundo se questiona a respeito do câncer de pele. Uso um creme com fator 50 de proteção, mas será que é suficiente? Não sei dizer. Há momentos em que eu me preocupo, e outros em que penso: vamos todos morrer de alguma coisa. Alea Jacta est, a sorte esta lançada!”, brinca.
    Pouca influência genética
    Existem três tipos de câncer de pele. O mais invasivo é o melanoma, que atinge 12% da população francesa e contra o qual existem poucas soluções de tratamento se ele se espalha pelo organismo e atinge outros órgãos. Por isso é necessário diagnostica-lo rapidamente. Pacientes com pele e olhos claros que tomaram sol demais quadro crianças correm mais risco de desenvolvê-lo.
    “Sabemos que antes dos 25 anos, de um modo geral, as pessoas já gastaram cerca de 80% chamado “capital solar”, a capacidade de regeneração da pele. Esse dado é muito importante, porque um dos objetivos dessa campanha é sensibilizar os jovens e os pais, para que protejam seus filhos”, diz a dermatologista.

    O segundo tipo é conhecido como carcinoma basocelular, mais comum em pacientes com mais de 60 anos, resultado do acumulo da exposição solar ao longo da vida. O terceiro é o carcinoma espinocelular, gerado a partir de uma lesão específica, que pode provocar coceira e descamação. Se não for tratada, ainda que ele seja menos agressivo do que o melanoma, também provocar uma metástase.
    A única maneira de se proteger desses cânceres é evitar o sol ou se expor com moderação, já que a influência genética é relativamente pequena, afirma a especialista. “Tem que tomar sol na hora certa, cedo de manhã ou bem tarde. A melhor proteção é a sombra, de uma árvore ou de um guarda-sol. O tecido também é importante", lembra. "Existem cada vez mais roupas que protegem dos raios ultravioletas, que têm uma proteção fator 50, muito importante para as crianças. Não se esquecer também do chapéu. Tem muitos casos de tumores no crânio em homens calvos, principalmente. Sempre explico para meus pacientes: geneticamente, o crânio não é feito para tomar sol”.
    Segundo ela, as lesões no crânio correspondem a 80% dos casos de câncer que a dermatologista atende em seu consultório. A médica também lembra que os protetores solares têm uma eficácia limitada. Isso porque depois de duas horas, com o suor, ele já não protege da mesma maneira. Além disso, a dose preconizada nos estudos é raramente respeitada – um tubo por semana por pessoa. Em geral, diz a especialista francesa, quatro pessoas utilizam um tubo de creme solar durante três semanas. Sem contar o fator de proteção, que deve ser sempre 50. “Sempre digo aos meus pacientes: protetor fator 10 ou 20 é só hidratante”.

  • A data é comemorada nesta quarta-feira (16) e visa sensibilizar a população para intolerância grave ao glúten, pouco diagnosticada mas que traz sérios riscos para a saúde.

    Pelo menos 1% da população mundial não pode consumir o glúten, uma proteína presente no trigo, no centeio, na cevada e, em alguns casos, na aveia. Eles são portadores da chamada Doença Celíaca, ainda relativamente desconhecida da maioria das pessoas. A intolerância provoca uma reação inflamatória autoimune no intestino delgado, destruindo suas vilosidades, estruturas orgânicas que atuam na absorção dos nutrientes.
    A inflamação provoca sintomas variados e favorece, nos casos mais graves, até alguns tipos de câncer. A Jornada da Doença Celíaca é, desta forma, uma maneira de sensibilizar as pessoas sobre o mal, que ainda é pouco diagnosticado. Estima-se que 80% dos pacientes não sabem que têm o problema.
    No entanto, basta um exame de sangue para identificar a intolerância ao glúten e os chamados anticorpos transglutaminase. Se o resultado é positivo, é preciso realizar uma endoscopia. No exame, onde um tubo que vai até o estômago é inserido na boca do paciente, o médico verifica o estado do intestino delgado e retira amostras para biopsias, que atestam com precisão a gravidade da doença.
    Se o diagnóstico for confirmado, o único tratamento é um regime sem glúten para o resto da vida. O paciente não pode ingerir quantidades mínimas da proteína, o que dificulta a alimentação fora de casa e em viagens. Basicamente, um celíaco não pode consumir nada que seja produzido em uma cozinha onde sejam preparados pratos com glúten.
    Longe da moda dos alimentos funcionais ou que fazem emagrecer, os celíacos são obrigados a seguir uma dieta rigorosa, que exclui bolos, pães, pizza, cereais contaminados e cerveja. As “armadilhas” são muitas. O paciente não pode comer uma hóstia depois de uma missa, por exemplo, ou arroz, que é naturalmente sem glúten, se a marca em questão fabrica produtos com trigo.
    O risco de não seguir corretamente a dieta é impossibitar a regeneração do intestino delgado, predispondo o paciente a carências de vitaminas, osteoporose, outras doenças autoimunes como diabetes ou tireoidites e até câncer nos casos mais graves.
    O regime é complexo e a intolerância entre os doentes varia, explica em entrevista à RFI Brasil, o gastroenterologista Christophe Cellier, o maior especialista da doença na França, chefe de setor no hospital Georges Pompidou, em Paris. Ele ressalta que a intolerância é genética. Não é celíaco quem quer.
    “Para desenvolver a doença é preciso ter um gene, mas não é por isso que a pessoa vai desenvolver o problema. Esse gene está presente em 25% da população mundial. Mas existem outros fatores que favorecem a intolerância, como as infecções virais na infância, ou outros que ainda não conhecemos”, diz.
    Depois dos anos 90, percebeu-se que a doença era bem mais comum do que se imaginava, lembra o especialista. Ela pode aparecer em qualquer fase da vida e hoje já se sabe que há mais adultos do que crianças intolerantes.
    Um dos motivos é que antes os médicos suspeitavam da Doença Celíaca diante de sintomas mais típicos como diarreia e emagrecimento, mais comuns nas crianças. Com o tempo, descobriu-se que ela provocava outros problemas, como anemia, dores nas articulações, enxaqueca, osteoporose e até falta de concentração
    “Antes pensávamos que era uma doença de criança, principalmente, e raramente de adulto. Com o desenvolvimento dos testes mais específicos, descobrimos que dois terços dos casos eram revelados na idade adulta e 20% depois dos 60 anos.”
    Doença silenciosa
    Muitos pacientes são assintomáticos ou têm poucos sintomas, o que complica ainda mais o diagnóstico. Este é o caso de Ester Benatti, vice-presidente da Fenacelbra, a Federação Nacional das Associações dos Celíacos do Brasil. Ela só descobriu ser portadora da doença depois que sua irmã gêmea, que ficou muito doente e chegou a pesar 40 quilos, foi diagnosticada, aos 32 anos.
    Como a intolerância é genética, ela foi aconselhada a fazer a endoscopia. Qual não foi sua surpresa ao descobrir que intestino delgado dela estava tão afetado quanto o de sua irmã. “Depois de mim, os outros cinco irmãos, somos sete filhos, foram diagnosticados também”, conta.
    Um dos maiores problemas é que os celíacos são diagnosticados erroneamente como portadores de outras doenças. Uma delas é a Síndrome do Intestino Irritável. Outros especialistas tratam os sintomas como consequência de uma depressão. “Muita gente ainda enfrenta uma dificuldade no diagnóstico, uma peregrinação no diagnóstico, no Brasil e fora do Brasil”, diz. Ester conta que como sua irmã, que ficou gravemente doente, reviveu ao cortar o glúten, e toda a família foi se diagnosticando, a casa virou "glúten free".
    “A gente se adaptou rápido: come antes de ir para a festa, faz jejum, não come na festa. A gente quer encontrar os amigos, então nada disso deixou a gente sem vida social. Jamais fomos chorar no banheiro como algumas pessoas fazem. Porque é sofrido para elas”, declara Ester.
    “Para a criança, se ela nasce com isso e não tem o sabor na boca, ela não vai achar ruim a comida sem gluten. As situações é que são difíceis, como ir a uma festa e não ter nada para comer. Mas para o adulto, que conhece o gosto, é mais difícil. E o glúten geralmente está presente na comida de conforto, como o bolo da casa da mãe”, descreve.
    O desafio dos rótulos
    Outra dificuldade para os pacientes é identificar ou não a presença do glúten no rótulo dos alimentos industrializados. Na União Europa, o Codex protege o consumidor e os celíacos também contam com uma etiquetagem própria para identificar os produtos sem glúten, explica a presidente da AFDIAG (Associação Francesa dos Intolerantes ao Glúten), Brigitte Jolivet.
    “Temos sorte de termos uma legislação muito bem feita e a associação participou da processo que levou à adoção dessa lei, para melhorar a etiquetagem dos produtos. O glúten faz parte dos alérgenos que devem ser obrigatoriamente declarados ”, diz. No Brasil, desde 2016 as empresas são obrigadas a mencionar na embalagem se o alimento contém ou não glúten em uma quantidade tóxica para os celíacos. O equivalente a uma minúscula migalha de pão.
    Medicamentos
    A médio e longo prazo os pacientes talvez poderão contar com remédios que vão minimizar os efeitos de um consumo involuntário ou inevitável do glúten. Mas isso ainda deve levar tempo, explica o professor francês Christophe Cellier. Entre as pistas terapêuticas estão uma enzima que “quebra” o glúten, uma vacina e uma bioterapia de anticorpos, testada no hospital Pompidou pela equipe do especialista, em pacientes resistentes ao regime. O objetivo é prevenir o linfoma – um câncer que pode aparecer em casos raros de complicação da doença.

  • O vinho representa o segundo setor de exportação da França e seu consumo reúne aspectos culturais, econômicos e políticos. Até mesmo o presidente francês, Emmanuel Macron, declarou recentemente que toma duas taças por dia. Segundo ele, o vinho não influencia de maneira tão nefasta o comportamento dos jovens quanto os destilados e a cerveja. Mas, afinal, o vinho é de fato menos perigoso do que as outras bebidas alcoólicas?

    A afirmação de Macron indignou um grupo de pesquisadores franceses, apesar da declaração da ministra da Saúde, Agnès Buzin. Na tentativa de apaziguar a polêmica e a posição questionável do chefe de Estado francês, ela lembrou que o vinho é “um álcool como qualquer outro”.
    Em uma tribuna publicada em março no jornal Le Figaro, dez especialistas também lembraram que a toxicidade do álcool está diretamente ligada à quantidade ingerida, independentemente de seu teor. De acordo com eles, o alcoolismo mata cerca de 50 mil pessoas por ano na França e o vinho representa cerca de 60% do consumo.
    Em sua declaração, Macron também afirmou que não vai endurecer a lei Evin, promulgada em 1991, que limita a publicidade das bebidas alcoólicas que influenciam principalmente os mais jovens. Uma preocupação a mais para os representantes da saude pública, que lutam contra o poderoso lobby da indústria do vinho na França e dos milionários produtores e proprietários dos “châteaux” que produzem os milésimos mais cobiçados do mundo.
    O psiquiatra Xavier Laqueille, chefe do setor de tratamento de drogas e outras dependências químicas do hospital Sainte Anne, um dos mais renomados da capital, conversou com a RFI Brasil sobre o tema.
    Segundo ele, a chamada “cultura do vinho” pode levar a um consumo excessivo. Ele explica, basicamente, que o alcoolismo se apresenta de duas maneiras: nas bebedeiras de final de semana, que se repetem e a longo prazo podem acabar gerando dependência, ou no consumo frequente de álcool para aliviar um mal-estar psíquico ligado à uma doença mental. Ambas exigem tratamento e podem desencadear quadros diferentes, dependendo do paciente.

    “A questão é complicada na França. Somos um pais de tradição vitícola. De uma maneira geral, a mensagem é 'beba com moderação o vinho e os destilados são mais perigosos para a saúde'. Trata-se de um posicionamento cultural. Nossa posição, como médicos, é complicada”, relata.
    Segundo ele, como o importante é a quantidade consumida, todas as bebidas são iguais. “O álcool é perigoso. Traz complicações digestivas, hepáticas, neurológicas, psiquiátricas, sociais e profissionais”, lembra o psiquiatra. Ele diz também que a maioria dos pacientes alcoólatras procuram tratamento “tarde demais”.
    “Esses pacientes sabem que não poderão nunca mais tomar uma taça de vinho na vida. É algo difícil de aceitar, e é verdade que essa proximidade do produto, no caso do vinho, facilita as recaídas de uma certa forma. Cocaína ou heroína, por exemplo, não são produtos que se encontram tão facilmente, assim como a maconha. Em relação ao vinho, há publicidade por todos os lados, e isso desperta a vontade de consumir”.
    O médico reconhece, entretanto, que as bebidas de absorção mais rápida, como os destilados, viciam com mais facilidade, principalmente se começam a ser consumidas na adolescência. Ele também lembra que, há 50 anos, o teor alcoólico do vinho era bem menor, em torno de 7% ou 8%, e que hoje ele chega a 13% ou 14%. No passado, existiam até mesmo os chamados “vin de soif” (vinho para matar a sede, em tradução livre), com menos álcool, consumidos sem moderação, principalmente por trabalhadores rurais que passavam o dia nas plantações.
    Bom para o coração, ruim para o fígado
    Quem nunca ouviu que beber vinho faz bem para o coração? Essa informação, por incrível que pareça, é verdadeira, como explica o psiquiatra francês. O vinho possui antioxidantes e outras substâncias que ajudam a regular o colesterol, mas não impedem a destruição do fígado pelo álcool.
    “Temos uma tradição na França que defende que pode haver um consumo mínimo tolerável. Mas isso é uma questão política, e não de saúde pública. Sabemos que o consumo de 2 ou 3 taças por dia faz com que o risco de câncer seja mais importante”, diz. “O debate não está no campo da Medicina, ele é principalmente cultural e politico”.
    O degustador profissional e produtor de web documentários sobre vinhos, Wandel Rocha, radicado na França, acredita que o vinho não é o principal responsável pelo alcoolismo na Europa e no Brasil.
    “A porta de entrada para o alcoolismo é certamente a cerveja. São maiores anunciantes da TV e de qualquer mídia. A exposição incitação ao consumo de alcool é muito mais arriscada na cerveja do que no vinho. Na França, a lei Evin enquadra com muito rigor qualquer apologia ao consumo de álcool”, declara. “No Brasil as leis são mais flexíveis e, isso sim, representa um grande perigo de saúde pública”, avalia.

  • Um estudo realizado por um grupo de pesquisadores do Instituto francês Inserm (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica) mostrou que a prática da meditação poderia diminuir o stress, a ansiedade, as emoções negativas e os problemas de insônia, que tendem a aumentar com a idade.

    A pesquisa foi realizada por um grupo de pesquisadores das cidades de Caen e Lyon, que analisou os exames cerebrais de 67 pacientes de cerca de 65 anos, e os comparou aos resultados de meditadores profissionais. O estudo apontou diferenças significativas em algumas regiões do cérebro dos adeptos da meditação. Entre elas, o volume da massa cinzenta, do córtex cerebral e do cíngulo, que faz a ponte entre o sistema límbico, que gerência as emoções, e o córtex.
    Além disso, uma das hipóteses dos pesquisadores é que a prática possa ajudar o cérebro a manter o nível de consumo de glicose, que diminui com o envelhecimento, independentemente do modo de vida ou do nível educacional. A diminuição do volume cerebral, também típica desse processo, provoca um declínio das funções cognitivas.
    A diretora de pesquisas do Inserm e neurocientista Gael Chetelat, uma das autoras desse estudo, coordena um laboratório de pesquisas que visa melhorar a vida dos idosos. Batizado de Silver Santé Study, o projeto reúne diversas pesquisas que ajudam a compreender o que pode ajudar os pacientes a viver bem, testando os chamados “treinamentos mentais” das meditações ou do aprendizado de um novo idioma, como o inglês. Os primeiros resultados foram publicados em 2017 na revista Scientific Reports.
    Treinamento mental
    “A meditação é um treinamento mental que regula o stress, as emoções e a atenção”, explica. Em relação ao aprendizado de uma outra língua, ela diz que se trata de um exercício cognitivo. “Através de um mecanismo diferente, a meditação e o inglês devem ter um impacto positivo em diferentes aspectos do envelhecimento”, afirma.
    No projeto, os pesquisadores medem o nível de cortisol, hormônio secretado pelo cérebro em situações estressantes. A exposição ao cortisol de maneira contínua pode reduzir o tamanho do hipocampo, estrutura cerebral relacionada à memória, à aprendizagem e às emoções.
    O hormônio em excesso também compromete o mecanismo de proliferação celular. “Medimos diferentes parâmetros no sangue, ligados ao cortisol e à regulação das emoções, mas sobretudo as consequências no cérebro, o tamanho do hipocampo, e outras estruturas cerebrais e a ativação de certas regiões durante situações estressantes ou ligadas às emoções”, explica.
    Dez pesquisadores de seis países europeus, entre eles a França, a Suíça, a Inglaterra, a Alemanha, a Bélgica e a Espanha participam dessa ampla pesquisa, que envolve outros estudos e recebeu um financiamento de € 6 milhões da Comissão Europeia. Os primeiros resultados devem ser anunciados em 2020, e se as hipóteses forem confirmadas, a meditação poderá ser prescrita para pacientes idosos.
    Doença de Alzheimer
    O stress e o sono de má qualidade, associados a problemas de memória, são considerados como um fator de risco para o desenvolvimento de doenças como o mal de Alzheimer. Em seu laboratório, a especialista francesa e sua equipe estudam a doença há 15 anos. No projeto europeu, eles pretendem analisar a evolução de um grupo de pacientes com problemas de memória classificados de subjetivos, mas que ainda não podem ser considerados como doentes pelos testes existentes. “Hoje não existe um teste confiável que permite afirmar se a pessoa terá ou não a doença”, declara.

  • A utilização incorreta de medicamentos causa mais de 130 mil hospitalizações no país, segundo dados divulgados em março pelo LEEM, coletivo francês que reúne médicos, farmacêuticos, laboratórios, empresas ligadas à saúde e representantes da indústria farmacêutica.

    Os números preocupam o governo francês e foram tema de um seminário organizado no final de março entre o coletivo, que também lançou um guia para a população, e a ministra da Saúde Agnès Buzyn, que considera a questão um problema de saúde pública. Os pacientes franceses mais afetados pelo uso inadequado dos remédios são os idosos entre 75 e 84 anos: eles tomam cerca de quatro comprimidos por dia e têm diversas patologias.
    O médico francês Eric Baseilhac, diretor do LEEM, explica que há anos os profissionais da área tentam reverter essa situação. Entre 2015 e 2018, o coletivo criou um programa de ação que foi apresentado à ministra francesa durante um colóquio em Paris, em 22 de março. No encontro, foram detalhadas as dez metas para diminuir os casos fatais e hospitalizações decorrentes do uso incorreto dos remédios.
    Uma delas é uma campanha para sensibilizar a população, que visa estimular o contato mais próximo entre o paciente e o médico. Erros de administração, na dosagem e na interação das substâncias podem provocar um fenômeno conhecido como iatrogenia: trata-se de doenças ou complicações resultantes do tratamento médico.
    “O remédio não mata nem hospitaliza. Poder tomar remédio é uma sorte para os pacientes. O mau uso do medicamento, por outro lado, pode trazer consequências negativas. Sabemos que, na metade dos casos, os acidentes com as substâncias, fatais ou não, poderiam ter sido evitados”, diz Baseilhac.
    Segundo ele, as interações medicamentosas são um dos principais problemas observados. “Se receitamos, por exemplo, um remédio que dá sono ou afeta a consciência, e ele é receitado para uma pessoa idosa, que toma anticoagulantes, há risco de queda e hemorragias que são potencialmente graves”, explica.
    Os pacientes que usam várias moléculas também podem confundir os nomes dos remédios ou se esquecer de tomar os comprimidos. Por isso os profissionais da saúde também esperam que as embalagens sejam modificadas para que os pacientes possam identificá-las mais facilmente. Além disso, ele considera que a colaboração entre os profissionais de saúde é essencial, melhorando a relação entre o clínico-geral e o farmacêutico, por exemplo.
    Uma das ideias é criar um programa de troca de mensagens instantâneas entre o médico da família e o farmacêutico, para que eventuais dúvidas sobre a receita e a posologia possam ser esclarecidas. Outra medida importante é possibilitar o acesso da farmácia ao dossiê digital do paciente, que terá o histórico de consultas e uso de medicamentos. A França, diz Baseilhac, está dando início à formatação desse tipo de dossiê, e está atrasada em relação a outros países europeus. “A colaboração é essencial”, afirma.
    França é campeã de uso (e mau uso) de ansiolíticos
    Uma das preocupações da ministra francesa Agnès Buzyn, que é médica, é o abuso de medicamentos vendidos sem receita. As substâncias têm concentrações cada vez mais fortes disponíveis no mercado, se tornando potencialmente mais tóxicas. Fazem parte desse grupo anti-inflamatórios como o ibuprofeno ou a aspirina. A França também é um dos países europeus que mais utiliza antibióticos e ansiolíticos, o que Buzyn considera um “triste recorde”.
    “Em nível europeu, o consumo de medicamentos diminuiu na França em relação à média europeia, exceto em relação a duas categorias de remédios. Uma delas é a benzodiazepina, usada contra a angústia, muito prescrita para pessoas idosas, e que pode provocar quedas, desmaios e perda de memória, com efeitos muito negativos”. Para o médico francês, a prescrição excessiva dos ansiolíticos pode ser cultural. “É uma questão complexa, dizem que os franceses são menos animados do que outros povos. Não sei! Talvez seja o nosso lado resmungão que nos faz afirmar isso.”
    Os franceses também usam cinco vezes mais antibióticos, em volume, do que seus vizinhos europeus. Um perigo para o paciente e para a população, já que uso excessivo de medicamentos como a amoxicilina, por exemplo, pode gerar uma resistência das bactérias obrigando os médicos a prescreverem moléculas mais poderosas.
    Novas tecnologias a serviço do paciente
    Os objetos conectados, explica o diretor francês da LEEM, também poderão, no futuro, ajudar pacientes e médicos a monitorarem o tratamento e o uso dos medicamentos de maneira mais adequada. Para discutir essas questões, o coletivo pretende propor à ministra da Saúde que, a partir de 2019, 22 de março se transforme no Dia “do uso correto do medicamento”.
    Ao mesmo tempo, um Congresso Mundial sobre o tema será lançado na França, que deverá reunir médicos, farmacêuticos e enfermeiras, para falar de inovação e dos benefícios que ela pode trazer para controlar essa situação. “Esta será a ocasião para discutir o uso de ferramentas digitais, objetos conectados que vão ajudar o paciente a utilizar corretamente os remédios”.

  • Autor de diversos livros sobre o tema e pesquisador do Laboratório de Pesquisas Cognitivas do Inserm (Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica), em Lyon, Jean-Philippe Lachaux explica porque não podemos fazer várias coisas ao mesmo tempo.

    Em tempos de Internet e novas tecnologias, os estímulos que perturbam nossa atenção e nossa capacidade de concentrar são múltiplos. Isso porque, contrariamente ao que muitos acreditam, é impossível para o cérebro realizar duas tarefas intelectuais de uma vez.
    Desconfie daquele amigo que jura ser capaz de conversar com alguém ao mesmo tempo que não desgruda do celular. Ele certamente não está prestando atenção no que você está falando, como explica Jean Philippe Lachaux. Ele também é o autor de diversos livros sobre o assunto.
    A equipe do pesquisador francês estuda os mecanismos cerebrais que são ativados quando estamos atentos e mais especificamente os neurônios envolvidos no processo, incluindo os aspectos químicos e fisiológicos das sinapses.
    “Há duas maneiras de ser multitarefa. A primeira é executar duas ações simultaneamente, sendo que uma delas dever automática. Dirigir ouvindo rádio, por exemplo, ou andar de bicicleta e cantar. Agora, fazer duas coisas ao mesmo tempo que precisam de atenção, como verificar seus e-mails durante uma reunião, exige que você alterne rapidamente seu foco: ouvir o que a pessoa está dizendo e discretamente verificar suas mensagens ao mesmo tempo”, explica.
    Essa alternância, diz o neurocientista francês, atrapalha a capacidade de concentração e de compreensão da mensagem que está sendo lida e respondida. Além disso, também impede o indivíduo de entender perfeitamente o que está sendo dito na reunião. Essa situação, por mais que pareça banal, contraria a natureza cerebral e “fragmenta a vida cognitiva”, afirma Jean-Philippe Lachaux.
    “Fala-se muito em plasticidade do cérebro, como se ele fosse capaz de fazer de tudo. Não é verdade. O cérebro é capaz de muitas coisas. Podemos aprender a tocar guitarra a 40 ou 50 anos, ou usar um computador. É evidente que algumas redes neuronais podem se organizar para aprender uma nova tarefa. Por outro lado, o que é provavelmente falso, é afirmar que o cérebro é suficientemente plástico para, em mundo dominado pelas novas tecnologias, conseguir fazer várias coisas ao mesmo tempo”, defende.
    Para realizar várias tarefas de forma simultânea, que exigem atenção e concentração, o cérebro deveria ser capaz de utilizar a mesma rede neuronal nas ações, o que é fisiologicamente impossível. Esse é o caso de atividades gerenciadas pelo córtex pré-frontal, como a compreensão de um texto.
    O resultado pode ser observado em diversas situações da vida cotidiana. Quando estamos concentrados em algo, por exemplo, e somos interrompidos com uma pergunta, a única maneira é parar o que está se fazendo (e recomeçar tudo em seguida) ou dar uma resposta monossilábica, automática. A automatização, que engloba ações que podem ser realizadas sem reflexão, mobiliza um grupo de neurônios diferentes dos que são solicitados pela atenção.
    Todas as tarefas que exigem a criação de um universo mental, abstração e criatividade necessitam de concentração total, lembra o pesquisador francês. “Esse processo exige uma atividade mental prolongada. Toda vez que você se distrai, precisa recomeçar do zero para recriar essa mesma imagem mental”, observa o neurocientista.
    Stress, o inimigo número 1 da atenção
    A dopamina é um dos principais neurotransmissores envolvidos no processo da atenção. Sua falta pode gerar um cenário caótico no cérebro, e nesse caso são necessários tratamentos específicos. O stress também exerce uma influência nefasta, desequilibrando a descarga hormonal de dopamina.
    Mas em grande parte dos casos onde há problemas de concentração, pode-se melhorar a capacidade de manter o foco com exercícios cognitivos. Apostando nessa tese, a equipe de Jean-Philipe Lachaux desenvolve atualmente projeto que tem como alvo alunos de até 11 anos de 450 classes da região de Lyon. Batizado de ATOLE (Attentif à l'école, Atento na escola em tradução livre), ele visa desenvolver a capacidade da atenção dos estudantes com uma série de fichas pedagógicas desenvolvidas especificamente para trabalhar a atenção.
    As crianças aprendem a fragmentar suas tarefas em ações simples, que podem ser concluídas em um curto espaço de tempo. Segundo o pesquisador, isso ajudará o cérebro a fazer uma triagem do que é importante ou não.
    “É um programa que visa as crianças mais jovens, antes de elas terem acesso às redes sociais ou um telefone celular. O objetivo é ensiná-los a controlar a atenção, para prepará-los antes que eles sejam completamente capturados por esses dispositivos”. Para quem já está “contaminado” pelas novas tecnologias, buscar o foco pode dar mais trabalho, mas não é impossível. “É um processo que se aprende”, conclui o cientista francês.

  • O sarampo é uma doença provocada pelo Morbilivirus, um vírus altamente contagioso, transmitido pelas vias respiratórias. Contra ele, existe a vacina chamada tríplice viral, que também protege também contra a caxumba. A falta de adesão à imunização, eficaz e com poucos riscos, é a causa de uma epidemia de sarampo na França, que registrou 387 casos e a morte de uma jovem de 32 anos, em apenas três meses.

    A vacina contra o sarampo tornou-se obrigatória para as crianças francesas em janeiro de 2018. Antes, ela era apenas recomendada. Segundo o infectologista François Bricaire, do hospital Pitié Salpetrière, a baixa cobertura vacinal é um dos fatores que contribuiu para a aparição de surtos da doença, que mesmo sendo benigna, pode trazer complicações. Neste contexto, é provável que ocorram outros surtos, explica.
    “Como a população francesa não é suficientemente vacinada, não dá pra prever se a epidemia vai deixar de avançar. É uma doença altamente contagiosa, então o risco de haver novos casos aparecendo existe", diz Bricaire, que diz discordar de qualquer tipo de resistência em relação à vacina. “É uma vacina muito boa, eficaz e bem tolerada. Protege contra a caxumba e a rubéola também, o que é um grande benefício”, completa.
    Teoria do complô
    De acordo com ele, para evitar a propagação do sarampo, seria necessário que entre 90 e 95% da população francesa se vacinasse contra a doença. Mas a cobertura vacinal, em algumas regiões do país, não ultrapassa os 70%. Para o infectologista, os movimentos contrários às vacinas fomentam a desinformação.
    “Há uma espécie de efeito de contestação da Ciência que circula nas redes sociais e na Internet e que aumentou consideravelmente. Há também um certo número de associações que pensam que as vacinas não são seguras, contêm aditivos e existe um risco, e que consideram que a indústria farmacêutica só quer ganhar dinheiro", observa.  "Essas ideias levam as pessoas a se interrogarem. Muitos pais que hesitam em vacinar os filhos se perguntam se devem ouvir os médicos ou as pessoas que falam sobre os possíveis riscos de uma vacinação.”
    Mesmo defendendo a vacinação, o especialista reconhece que o sarampo, na maior parte dos casos, é uma doença benigna, mas lembra que ele traz riscos para pessoas mais frágeis. “Num país como a França, que tem os meios para proteger sua população, é inaceitável ver pessoas morrendo de sarampo em 2018”, diz. Entre 5% e 20% dos doentes podem ter sintomas graves, como encefalites, por exemplo.
    Segundo Bricaire, o problema é que, quando as pessoas saudáveis optam por não se inmunizarem, estimulam a propagação do vírus e colocam em risco pessoas idosas ou com outros problemas de saúde, que não podem tomar a vacina. Isso porque a triplíce viral utiliza os chamados vírus vivos. Esses microrganismos, atenuados em laboratório, ativam o sistema imunológico e a produção de anticorpos em pacientes saudáveis, mas podem provocar reações severas em pacientes imunodeprimidos.
    “Crianças mimadas”
    O fato de uma epidemia de sarampo atingir um país desenvolvido como a França não surpreende o infectologista francês. “Costumo dizer que essa reação das pessoas que são contrárias à vacinação é uma reação de criança mimada. Temos tantos recursos que podemos nos dar ao luxo de protestar, pensar que poderia ser melhor, ou diferente, enquanto em alguns países, as pessoas ficam felizes de poderem se vacinar. Os países africanos ficam felizes quando organizamos uma campanha de vacinação”, exemplifica.
    Para ele, o fato da vacina ter se tornado obrigatória no país em janeiro pode ter um efeito positivo, mas é difícil prever a adesão. “Muitas pessoas protestam contra a obrigatoriedade de 11 vacinas. As pessoas se questionam do porquê dessa obrigação, falam de desrespeito à liberdade individual, reclamam que não têm direito de fazer o que querem…Discordo dessa atitude. Temos obrigações, como cidadãos. O Estado nos propõe a vacinação porque é uma questão importante de saúde pública. Contestá-la é lamentável. Não tenho certeza que essa obrigação vai de fato melhorar a situação”.
    Ele explica que o sarampo, assim como o tétano, a difteria ou poliomielite, nunca foram erradicados, e a falta de vacinação pode gerar surtos de doenças que a população imaginava que não existiam mais. “São infecções controladas pelas vacinas, e por isso as pessoas pensam que esses vírus desapareceram e que por isso não é mais necessário se imunizar. É mentira. Esses germes continuam presentes na natureza, e se a taxa de vacinação cai, eles reaparecem e provocam doenças”.

  • O fracasso parcial da vacina contra a dengue desenvolvida pelo laboratório Sanofi, a Dengvaxia, que protege contra três cepas do vírus mas pode piorar a doença em pessoa s que nunca foram infectadas, está levando os cientistas a desenvolverem novas alternativas de tratamento antivirais.

    A equipe do pesquisador francês Ali Amara, do laboratório Patologia e Virologia Molecular, do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), acaba de identificar pela primeira vez os fatores celulares que interagem com o vírus da dengue durante a sua replicação. Todos os anos, mais de 50 milhões de novos casos são registrados no mundo.
    A descoberta dessas moléculas gera pistas para o advento de novas terapias antivirais contra a dengue e o zika, que podem ser severas em alguns casos e fatais para crianças. A pesquisa foi publicada na revista especializada Cell Reports.
    “Acredito que a maior parte da comunidade científica está convencida de que essa não é a vacina ideal, como é a vacina contra a Febre Amarela, por exemplo. Todos os estudos indicam que é preciso entender como o vírus funciona e se multiplica, e quais são as estratégias que ele utiliza para encontrar novas armas conta o vírus”, diz o pesquisador francês Ali Amara.
    A equipe do cientista Amara buscou entender como o vírus funcionava e se multiplicava e distribuía seu genoma dentro da célula. Essa função foi batizada de complexo de replicação. “Conseguimos purificar esse complexo no laboratório e analisamos a composição dos fatores da célula envolvidos no processo”, explica o cientista. Isso possibilitou aos pesquisadores a obtenção de um mapa de interações entre o vírus e a célula, que identifica quais de suas funções são usadas para a replicação no ciclo da infecção.
    Marcador da dengue grave
    Os pesquisadores analisaram o papel das 270 proteínas essenciais para a multiplicação do vírus, mas que também freavam o avanço no vírus na célula. “Depois que descobrimos essas duas categorias de moléculas que compunham o complexo de replicação, nos perguntamos se essas interações com as células poderiam ser modificadas pela ação de pequenas moléculas antivirais, de potencial terapêutico”, afirma.
    Para isso, a equipe se concentrou em um complexo batizado de OST, que transfere a chamada glicolisação às proteínas celulares. A glicolisação é uma reação química na qual um carboidrato é adicionado a outra molécula. “Percebemos que o vírus utiliza esse complexo para fazer essa glicolisação em suas próprias proteínas virais e que isso era primordial para a infecção”, explica Amara. Em resumo, o vírus se apropria das funções primordiais da célula para se multiplicar e a equipe identificou a proteína essencial para o processo.
    Essa molécula tem a capacidade de bloquear a replicação do vírus, a produção de partes virais infecciosas na célula afetada, mas também a secreção de uma proteína importante do vírus, chamada NS1, uma virotoxina utilizada como um marcador das formas mais graves da dengue.
    Aquecimento global trouxe dengue para a Europa
    Os pesquisadores franceses também descobriram que o vírus utiliza mais de 250 proteínas celulares para se espalhar pelo organismo, que poderão no futuro ser usadas em tratamentos antivirais. Um exemplo é o inibidor NG1, que bloqueia as armas utilizadas pela dengue para se multiplicar no corpo, e que poderá ser usado para bloquear o avanço da doença.
    “O futuro de tudo isso será provar que, injetando a molécula de NG1 em pequenos animais, infectados pelo vírus da dengue, poderemos desacelerar o processo de infecção da doença”, diz Amara. Outro desafio é achar outras proteínas que podem ser úteis na profilaxia e tratamento.
    Vacina eficaz levará tempo
    O cientista também lembra que a descoberta de uma vacina verdadeiramente eficaz pode levar tempo. “A dengue é complicada. Há décadas estudos mostram que para a dengue não podemos fabricar uma vacina como contra a Febre Amarela, por exemplo, que é um vírus parecido. Isso porque ele circula em quatro formas diferentes. É preciso fazer uma vacina tetravalente, que atinja essas cepas de maneira eficaz”.
    Segundo ele, a vacina da Sanofis é um passo importante na luta contra a doença, mas é preciso imunizar os pacientes contra os quatro sorotipos que provocam a doença, transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti e que, com o aquecimento global, deixou os países tropicais e está nas portas da Europa. Casos já foram identificados em Nîmes, no sul da França.

  • Quase metade da população francesa está acima do peso ou é obesa, uma realidade que difere da imagem do povo magro e elegante difundida em todo mundo. O número de operações para reduzir o estômago triplicou entre 2006 e 2017, um índice que preocupa os profissionais da área e mostra que a obesidade também se transformou em um problema de saúde pública no país.

    Os números são surpreendentes: cerca de 17% dos adultos franceses entre 18 e 74 anos são obesos e 26,8% das mulheres e 37,1% dos homens estão acima do peso, de acordo com dados divulgados pela Seguridade Social. O maior índice é registrado no norte do país, onde 25,7% dos habitantes tem obesidade.
    “O americano médio não é o nova-iorquino hiperativo que trabalha em Wall Street, corre o tempo todo e é esbelto, porque vai à academia para ter um IMC, índice de massa corporal, entre 15 e 20%. Infelizmente, o americano médio mora no Minesota e tem obesidade mórbida. Na França é a mesma coisa. Temos o parisiense, que toma café nos bares, bonito, esbelto, e uma população mais pobre, que come mal”, lamenta o gastroenterologista francês Jérôme Loriau, chefe do setor de doenças digestivas do hospital Saint Joseph.
    Com cerca de 450 mil operados em dez anos, a França não é somente um dos campeões europeus em cirurgias bariátricas realizadas, é também um dos países onde mais se realiza esse tipo de intervenção em todo o mundo, o que preocupa os especialistas. “A cirurgia da obesidade não pode ser feita de qualquer maneira. Existem critérios, regras, que muitas vezes não são respeitados antes e depois da operação. Por esse motivo os resultados nem sempre são satisfatórios”.
    Última alternativa para perder peso
    A Alta Autoridade de Saúde francesa determina que um paciente que recebe uma recomendação para esse tipo de cirurgia deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar especializada durante no mínimo seis meses. O objetivo é provar que a cirurgia é a última alternativa para perder peso. A técnica é reservada às pessoas com um índice de massa corporal que ultrapassa 40 kg/m2 ou 35 kg/m2, caso o problema esteja associado a outras doenças, como o diabetes ou a hipertensão, por exemplo.
    “Há dois grandes princípios: diminuir o tamanho do estômago para que o paciente tenha a sensação de saciedade mais rapidamente ou provocar a má absorção, o que impede o intestino de absorver os alimentos ingeridos criando um curto-circuito no tubo digestivo”, diz Loriau.
    As técnicas para atingir um desses dois objetivos evoluíram nos últimos 20 anos. Os anéis gástricos foram substituídos por outras duas operações: o chamado “sleeve”, que diminui o tamanho do estômago em dois terços, e o by-pass, que modifica o circuito alimentar: a comida não passa pelo estômago, indo diretamente para o duodeno, o intestino delgado. As duas intervenções trazem riscos até mesmo fatais e exigem diversas precauções.
    “É preciso esclarecer quais são os riscos e explicá-los aos pacientes. Uma boa parte deles compreende que essa cirurgia é perigosa e desiste da operação. Também é preciso explicar que a cirurgia é apenas uma etapa. Há o antes, o acompanhamento e o depois da operação. O paciente deve entender que serão necessários esforços para o resto da vida, com hábitos alimentares e higiene de vida rígidos”.
    O especialista lembra que há diversas etapas neste acompanhamento que não são reembolsadas, como as consultas com um nutricionista, por exemplo, ou atividades físicas, o que limita o sucesso da operação. Apesar de ter um dos sistemas de saúde mais generosos do mundo, os hospitais franceses dispõem de cada vez menos recursos. Muitos pacientes que precisam desembolsar complementos para darem continuidade a seus tratamentos e preferem então abdicar dos cuidados preconizados.
    Desta forma, lembra Jérôme Loriau, a situação socio-econômica do paciente também deve ser levada em conta na decisão de operar. “Selecionando melhor os pacientes com indicações para a operação e reservando os recursos para quem realmente precisa, poderemos propor um acompanhamento mais completo e global”.

  • A paranaense Carolina Motter Catarino foi uma das vencedoras do prêmio da marca de cosméticos britânica Lush, que visa estimular pesquisas que diminuam os testes com animais. Seu estudo substitui componentes de origem animal por um modelo criado com amostras de pele humana impresso em 3D. Hoje doutoranda no Instituto Politécnico Rensselaer, em Troy, no estado de Nova York, nos Estados Unidos, Carolina dá continuidade ao estudo, pioneiro na área.

    Foi na faculdade de Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia da Universidade Federal do Paraná que a pesquisadora brasileira começou a se interessar pelo tema, que ela desenvolveu na França. Em julho de 2011, ainda na graduação, ela estudou durante seis meses na Universidade de Compiègne, no sul do país. “Tive a oportunidade de participar de um programa de intercâmbio que era uma parceria entre universidades brasileiras e francesas”, conta Carolina.
    Em seu estágio de seis meses, em 2012, na empresa L’Oréal, ela pôde trabalhar com os modelos de pele em vitro – uma alternativa aos testes com animais. “Esses poucos meses de estágio foram suficientes para que eu me apaixonasse por essa linha de pesquisa", diz. Um estudo divulgado pela organização não-governamental Cruelty Free International mostrou que cerca 115 milhões de animais são utilizados em testes de laboratório no mundo, anualmente.
    Voltando ao Brasil, a pesquisadora fez um mestrado na USP (Universidade de São Paulo), onde trabalhou em um modelo de pele humana. O estudo resultou em uma bolsa do programa Ciências Sem Fronteiras para patrocinar seu doutorado nos EUA, que consiste principalmente em imprimir suas descobertas em 3D. "Nos últimos dois anos me dedico a isso: recriar esses novos modelos de pele."
    Impressora “ponto por ponto”
    O equipamento usado para imprimir a pele artificial, que inclui folículo capilar, é uma impressora controlada por um software que, segundo Carolina, vai depositar gotículas de tintas biológicas em posições pré-definidas por um modelo 3D. “Essas tintas biológicas são compostas por uma mistura de proteínas e outros materiais presentes na pele humana, como o colágeno e o ácido hialurônico, e as células que formarão as diferentes camadas e estruturas da pele”, explica a pesquisadora.
    Para cada estrutura da pele, existe uma tinta diferente, com composições específicas. Preparadas, elas são adicionadas nos cartuchos das impressoras. O processo demora alguns minutos. Depois da impressão, as peles são mantidas em incubadoras por alguns dias, para que as células se diferenciem e originem o tecido final. “Após cerca de duas semanas, essa pele apresentará uma estrutura semelhante à pele humana, que pode ser usada como uma alternativa aos testes cosméticos, em vez de usar os animais”.
    Ela lembra que a pele em 3D traz outra vantagem em relação à animal. “Os animais são fisiologicamente diferentes dos seres humanos. A composição, por exemplo, e as estruturas das camadas de pele, assim como a concentração de folículos capilares, é diferente de espécie para espécie. "Essas e outras diferenças podem gerar resultados que ou não são reproduzidos posteriormente em humanos, ou anteciparem efeitos colaterais”, diz Carolina. A pele criada em laboratório também pode suportar mais testes com substâncias diferentes.
    A primeira etapa do projeto, diz Carolina, já foi concluída. A pele criada é similar à utilizada nos protocolos de pesquisa tradicionais, parecida com a humana. Agora ela trabalha em novas composições para aperfeiçoá-la. Em breve, Carolina testará células geradoras do folículo capilar, com a ideia de tornar o modelo impresso cada vez mais complexo, o que possibilitaria realizar mais testes in-vitro sem amostras animais. O projeto do doutorado deve estar concluído em dois anos.

  • E se a morte súbita dos jovens adultos saudáveis, como é o caso de atletas e de jogadores de futebol, fosse causada por um gene? Essa é a hipótese do cardiologista francês Antoine Leenhardt, que descobriu uma anomalia genética no coração de pacientes sem antecedentes graves, que morrem de uma hora para outra. O Mal provoca, todos os anos, a morte de pelo menos 40 mil franceses.

    Muitas vezes, os exames tradicionais não detectam problemas que antecipem esse infarto fulminante, que, em 2004, provocou a morte do zagueiro Serginho, do São Caetano, que aos 30 anos sofreu uma parada cardiorrespiratória durante o jogo contra o São Paulo no Morumbi, aos 14 minutos do segundo tempo.
    É com o intuito de prevenir tragédias como essa que a equipe do médico francês Antoine Leenhardt, do hospital Bichat, em Paris, trabalha para identificar exatamente como esse traço genético pode provocar mortes súbitas em pessoas entre 15 e 45 anos. A anomalia, descreve o cardiologista, foi identificada depois de a equipe analisar o DNA e testar 50 genes diferentes em 18 vítimas de morte súbita.
    Quatro delas apresentavam a mesma anomalia, que pode causar a chamada fibrilação ventricular: o coração não para, mas bate tão rápido que se torna incapaz de exercer sua função vital – a de bombear e distribuir o sangue para todo o corpo. “É uma proporção suficientemente importante para que não seja considerado um acaso. Por isso queremos verificar se essa anomalia também existe em um número maior de pacientes”.
    Em suas pesquisas, a equipe de Antoine Leenhardt descobriu que uma proteína tem um papel crucial nessa falência cardíaca de pacientes com predisposição genética. Por enquanto, ela foi batizada de X, porque ainda não foi patenteada.
    “Nossa hipótese é que essa proteína, que codifica o músculo cardíaco, tem uma participação nas violentas arritmias. Essa será a primeira vez que poderemos demonstrar isso. Normalmente, isso é determinado pelas anomalias genéticas envolvidas na codificação dos canais de potássio, cálcio ou sódio, envolvidos no funcionamento do coração. Nesse caso, trata-se de uma proteína da estrutura do coração, o que é totalmente novo”.
    A próxima etapa do projeto será financiada agora pela francesa Fundação Coeur et Recherche, que apoia pesquisas na área, e será conduzida em laboratórios especializados de Paris, Bordeaux, Toulouse e Reino Unido. Nessa fase, 50 novos pacientes, com histórico familiar de morte súbita, terão o DNA analisado. O objetivo é descobrir qual é o mecanismo exato que desencadeia a parada cardíaca, e em seguida propor um acompanhamento para prevenir o infarto fulminante.
    “Vamos utilizar o gene modificado em ratos, para entender como essa mutação modifica a proteína e o músculo cardíaco e, como, modificado, ele pode causar problemas no ritmo cardíaco. Entendendo o que acontece, a gente espera propor medidas preventivas e terapêuticas. Por enquanto ainda é cedo para dizer quais serão essas medidas”.
    O especialista lembra que frequentemente pessoas com casos na família de morte súbita devem estar mais atentos e procurar por atendimento especializado e realizar o teste genético. O mesmo vale para pessoas que tiveram um parente próximo (pais ou irmãos) vítimas de acidentes cardiovasculares. Para os outros, a recomendação médica é manter uma atividade física regular, que protege o coração.
    Esporte e problemas cardíacos
    O cardiologista francês conheceu diversos atletas profissionais com problemas cardíacos que deveriam interromper a carreira, mas alguns preferem se arriscar. “É uma catástrofe para um jogador de futebol. Sobretudo quando ele vem de um país estrangeiro e seu salário sustenta toda sua família, ou até mesmo todo seu vilarejo”.
    Segundo eles, alguns desses atletas preferem se expatriar em países onde sua saúde é menor monitorada, e colocar a vida em risco. Uma mensagem importante, diz o cardiologista, é que, com frequência, essas mortes súbitas acontecem depois da aparição de pequenos sintomas, como desmaios, principalmente durante um esforço físico. Nesse caso, a visita ao médico é obrigatória. “Não é um sintoma banal”, diz o especialista.

  • O neurologista francês Yves Agid, um dos maiores especialistas da França, explica como os estudos sobre as células da glia podem levar à concepção de um novo modelo cerebral, baseado hoje principalmente nos neurônios.

    Aos 77 anos, o médico francês Yves Agid é um dos maiores neurologistas do país. Fundador do Instituto do Cérebro e da Medula, professor emérito da Faculdade de Medicina Pierre e Marie Curie, chefe do setor de neurologia do hospital Pitié-Salpetrière em Paris durante 12 anos e especialista em doenças neuro degenerativas, como o Mal de Alzheimer ou Parkinson, ele agora se dedica ao estudo das células da glia. Descobertas há mais de 150 anos por um biólogo francês, elas têm um papel muito mais determinante no funcionamento cerebral do que se imaginava.
    As pesquisas mostram que as células da glia, além de serem mais numerosas no cérebro humano do que os neurônios, são essenciais na integração das informações produzidas pela mente e sua sincronização. Elas influenciam a ação cerebral em diferentes patologias, como a esclerose múltipla, mas também agem no comportamento, no sono, na memória e no próprio relógio biológico. Essas constatações abrem, no futuro, novas possibilidades terapêuticas, como explicou o médico francês à RFI Brasil.
    “Em 40 anos de pesquisa, percebi que falávamos pouco dessas células e notei duas coisas extraordinárias: a primeira é que existem mais células da glia no cérebro no do que neurônios. Há cerca de 85 bilhões de neurônios e cerca de 100 bilhões de células da glia.”
    Mas o que são essas células e qual sua função cerebral? Fisiologicamente, elas estão situadas entre os neurônios. No início, explica o especialista francês, se pensava justamente que a função delas era similar à de um tecido conjuntivo, servindo de suporte físico para evitar que os neurônios se “perdessem” dentro do cérebro.
    A segunda constatação feita pelo professor francês é que, quanto maior o nível de inteligência de um animal, mais células da glia ele possui, como no caso do homem. “Essas duas observações são espetaculares e nos levam a crer que essas células são mais importantes do que pensávamos na função fisiológica do cérebro e na gênese do comportamento humano, seja ele motor, intelectual ou emocional”.
    Existem diversos tipos de células da glia, sendo que as mais investigadas pelos pesquisadores, explica Yves Agid, são os astrócitos, que se parecem com uma estrela. “Percebemos, ao longo dos últimos 20 anos, que os astrócitos têm um papel fundamental, interagindo com os neurônios de maneira muito próxima. Além disso, têm também todas as propriedades neuronais e ainda por cima algumas a mais. Seu metabolismo é muito complexo. Os neurônios e os astrócitos comunicam e se falam entre eles o tempo todo”.
    Função essencial na construção do pensamento
    Os cientistas também perceberam que os astrócitos agem no comportamento, na memória e em outras funções essenciais ao funcionamento cerebral. Em 1950, descobriu-se também que eles comunicavam entre si, produzindo ondas de cálcio, que se propaga pela rede celular que produz esse complexo sistema de informações produzidas pelas sinapses neuronais.
    A desregulação dos astrócitos, diz o especialista francês, também é responsável pelo desenvolvimento de várias doenças genéticas. Por que razão então, durante anos, a Ciência se esqueceu das gliais? Principalmente porque havia poucos meios técnicos que permitissem estudá-las mais de perto.
    “Há cerca de 30 anos, o desenvolvimento de métodos de biologia celular e bioquímica e molecular mais modernos permitiram compreender melhor essas células. Vimos que elas têm um papel importante em todo o sistema de neurotransmissão do sistema nervoso e eventualmente nas doenças neurológicas e psiquiátricas”.
    A questão que se coloca agora, diz o neurologista, é a revisão do modelo do cérebro dos animais como é conhecido hoje, baseado totalmente nos neurônios e suas sinapses elétricas. Um avanço científico que poderia levar a novos tratamentos para diversas doenças e levar a responder a uma pergunta que pode revolucionar a Ciência.
    “Como um cérebro material produz um pensamento que imaginamos imaterial? Não sabemos o que é o pensamento. São informações, difíceis de conceber de uma maneira física. Para responder a essa questão fundamental, é preciso trabalhar com neurônios e células da glia”, conclui o neurologista francês.
     

  • Como os métodos evoluíram ao longo dos anos graças ao surgimento de substâncias que agem com cada vez vez mais precisão.

    A primeira anestesia foi inventada no século 19 por um dentista, Thomas Green Morton, que entrou para a história, ao utilizar éter em uma cirurgia pela primeira vez, em 1846. A demonstração pública, comum na época, aconteceu em um hospital em Boston.
    Experiências utilizando o óxido nitroso já haviam sido realizadas por um de seus colegas, Horace Wells, mas uma delas quase matou um paciente e o cirurgião dentista caiu em descrédito.
    Essas invenções revolucionaram a Medicina. Até então, a única solução para os pacientes era suportar a dor ou atenuá-la utilizando plantas, álcool, maconha, acupuntura ou outros métodos. A eficácia, naturalmente, era relativa se comparada aos opiáceos e analgésicos superpotentes utilizados nos hospitais.
    Esse sofrimento, hoje inimaginável, foi no entanto suportado durante séculos por nossos antepassados, e até mesmo na Primeira Guerra Mundial, diante da penúria de alguns produtos. As dores eram encaradas a frio, e as cirurgias eram realizadas o mais rapidamente possível. Os pacientes chegavam até mesmo a ser amarrados. Amputações e mortes depois das operações eram frequentes.
    De lá para cá, muita coisa mudou. As técnicas se desenvolveram e se aperfeiçoaram, mas a profissão de anestesista é algo ainda relativamente recente na história da Medicina. Os primeiros anestesistas como conhecemos hoje surgiram nos anos 60, explica o presidente do Sindicato francês do setor, Claude Ecoffey. Antes elas eram praticadas pelas enfermeiras ou pelo próprio cirurgião.
    “Ficou provado que o aparecimento dos anestesistas estava relacionado a um aumento da taxa de sucesso das cirurgias. Havia menos mortes ligadas à anestesia e à própria operação”, diz. Quase tão segura quanto andar de avião, hoje as anestesias modernas trazem poucos riscos se aplicadas corretamente, afirma o médico francês.
    “No início havia pouquíssimos produtos disponíveis, mas com o aumento do número de anestesistas, no final dos anos 70, a indústria farmacêutica começou a lançar no mercado muitos anestésicos. Nos anos 80 e 90, houve uma grande avanço na área, por conta dessas novas substâncias, muito mais seguras, com maior controle de seus efeitos nos pacientes e menos efeitos colaterais”, descreve.
    O advento de novos antibióticos e a administração dos remédios em profilaxia por volta dos anos 80 também facilitou a recuperação dos pacientes, menos suscestíveis às infecções.
    Nos anos 2000, uma grande pesquisa feita na França mostrou que a taxa de mortalidade em uma anestesia é de um para 150 mil, que é extremamente baixa se comparada à da cirurgia, por exemplo, que é de 3% no país. Mas apesar dos progressos, ainda hoje muitos pacientes não se sentem totalmente confortáveis à ideia de tomar uma anestesia, reconhece Claude Ecoffey.
    Na França, mais anestesias gerais
    As anestesias são praticadas da mesma maneira em todos os países? Na França, são realizadas aproximadamente 30% loco-regionais e 70% gerais, conta o especialista francês. A escolha é feita em função da cirurgia que será realizada, e a opção pode ser uma mistura de duas anestesias.
    Segundo ele, no país é provável que haja um número maior de anestesias gerais, mas os produtos utilizados nos procedimentos são similares aos de outros países europeus. A substância intravenosa mais usada atualmente nesse caso é o Propofol, mas existem outras opções para inalação.
    Os efeitos dos produtos duram em geral 24 horas e podem ser mais longos em pessoas idosas, por exemplo, mas em geral essas sensações são raras.
    Qual é o mecanismo da anestesia?
    No caso da anestesia geral, há perda de consciência e o paciente mergulha em um coma artificial reversível, sob a ação dos medicamentos. “A anestesia geral age diretamente no cérebro, mas quando fazemos uma anestesia loco-regional, utilizamos produtos locais, próximos dos nervos, em regiões periféricas, que vão bloquear a transmissão da dor. Em função do produto utilizado isso vai durar 1 ou 2 horas e também é reversível”, explica.
    De acordo com o especialista, o próximo passo agora é melhorar o monitoramento dos pacientes durante o procedimento. Em termos de medicamento, ele espera agora que a indústria farmacêutica invista na pesquisa de produtos mais precisos em termos de efeito. “Assim saberíamos, por exemplo, que em uma hora, tudo seria evacuado”.

  • O clínico-geral francês François Baumman lançou em janeiro um livro sobre o Brown-Out, uma nova síndrome profissional que pode atingir, segundo estimativas, cerca de 40% dos trabalhadores no mundo, que não veem mais sentido no que fazem.

    O Burn Out, ou a Síndrome da exaustão profissional, é um mal que atinge 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores brasileiros, segundo estimativas do Instituto Isma (International Stress Management Association). O termo se popularizou e levou, no decorrer dos anos, à descoberta de outras doenças similares, ligadas ao esgotamento profissional, identificadas pelos psiquiatras. É o caso do Bore-Out, ou tédio no trabalho, e mais recentemente do Brown-Out, teorizado por dois pesquisadores, o sueco Mats Alvesson, da universidade de Lund, e André Spicer, da Cass Business School, em Londres, em 2016.
    O termo identifica trabalhadores que não veem mais nenhum sentido naquilo que fazem. Suas tarefas são descritas como inúteis, contraproducentes e pouco interessantes. Sentimentos que nos dias de hoje podem ser comuns a muitos assalariados, mas que em alguns casos se tornam patológicos.
    Na França, o tema é objeto de estudo do clínico-geral François Baumman, professor da escola de Medicina parisiense René Descartes. Especialista em doenças psíquicas relacionadas ao sofrimento profissional, Baumman acaba de lançar o livro “O Brown-Out, ou quando o trabalho não faz mais sentido”. Em entrevista à RFI Brasil, ele explicou como a doença pode levar a formas graves do Burn-Out se não for tratada a tempo.
    RFI - Como podemos descrever o Brown-Out?
    François Baumman - Podemos descrever o Brown-Out, em termos médicos, como o resultado do conjunto de sintomas relacionados ao sofrimento profissional. O Burn-Out é uma exaustão psíquica e física provocada pelo excesso de trabalho. O Bore-Out é a mesma coisa, mas o gatilho é o tédio, o que provoca um desequilíbrio mental e orgânico. O Brown-Out é uma espécie de desconexão da realidade, uma perda de interesse, uma tomada de consciência do absurdo das tarefas que são realizadas. É um conceito novo, mas que resulta do Burn-Out e do Bore-Out. São estados depressivos, mas com aspectos diferentes, que no momento do diagnóstico conseguimos distinguir.
    RFI - Como o problema pode ser tratado?
    FB - A única maneira de tratar o problema é voltar a dar sentido àquilo que se faz. Conscientizar-se de que o trabalho não corresponde mais às suas expectativas e tentar mudar de emprego, na medida do possível. Nem sempre é fácil na sociedade em que vivemos. Outra opção é buscar uma nova motivação depois de uma interrupção. Em geral é necessário parar um pouco. A palavra-chave é distanciamento.
    RFI - Como os pacientes descrevem esse mal-estar?
    FB - O discurso mais frequente é o do paciente que conta ter escolhido uma profissão e assumido um cargo empolgado com as possibilidades profissionais mas que acabou desmotivado por um ou vários chefes. Esses chefes são descritos como “narcisistas manipuladores”, perfil que está na moda. Eles sobrevivem diminuindo os outros à sua volta. Segundo esses assalariados, esses superiores os impediram de se realizar no que faziam. Isso é uma realidade. Acontece no trabalho, no casal, entre amigos, em muitas situações. Ouço com frequência a descrição de uma espécie de “perversão do sistema”.
    RFI - Como essas pessoas superaram essa situação?
    FB - Em resumo, é um trabalho que o indivíduo deve fazer consigo mesmo. Conscientizar-se de seus limites, de que não é mais possível ir trabalhar. Em casos como esses, é necessária uma psicoterapia e questionar a si mesmo. Nem todo mundo é capaz de se questionar. Na sociedade francesa isso não é comum, mas aos poucos isso está mudando. Estamos aceitando mais o fato de que não somos capazes de fazer tudo e mudando nossos paradigmas.
    RFI - Você considera que se investir muito no trabalho é um problema?
    FB - Investir-se demais em uma tarefa, seja espontaneamente, porque acreditamos nela, consideramos como algo genial, ou não, é um problema porque em geral não há retorno. É uma queixa recorrente dos pacientes. Eles têm a impressão de se esforçarem, fazerem tudo o que podem, mas sem reconhecimento.
    RFI - Você acredita em uma transformação da sociedade que evitaria esse tipo de distúrbio?
    FB - Os defensores do Management devem progredir em seus conceitos. Há tentativas, mas são estúpidas e infelizes. Por exemplo, se imagina que se as pessoas estão tristes no trabalho, a melhor solução é distrai-las, instalar um “pebolim” na sala de reunião. Esse não é o problema. Nesse ponto sou otimista, porque acredito que essa situação não pode durar mais muito tempo. Mas não é só uma questão de motivação, é um trabalho pessoal também. Não só as empresas são responsáveis. As pessoas não devem aceitar serem tratadas como imbecis. Não damos autonomia para aos trabalhadores. Em muitas profissões, considera-se que os assalariados são incapazes de tomar uma iniciativa, e ela sempre deve vir de cima.